O professor "mais ruim"

Outro dia aconteceu-me algo que, no entendimento de muita gente, possa ser classificado como constrangedor – para mim não. Eu até me diverti com tamanha audácia de um garotinho ao me ver passar de bicicleta, em frente à casa dele, no fim de tarde. Inicialmente, ele sorriu para mim, eu retribuí, é claro. O interessante é que bastou-me distanciar, para ele começar a gritar “Ó o professor mais ruim! Ó o professor mais ruim! ”...

Eu poderia ter voltado e lhe dado um sermão. Poderia sim, acontece que não o fiz. Não o fiz porque o momento era para uma reflexão.

Caso eu me sentisse ofendido (isso não aconteceu), não mudaria em nada o pensamento daquela criança que, talvez induzida por outros, maiores até... ex-alunos que nunca levaram a sério o ato de estudar, digo estudar mesmo, dedicar algumas horas do dia para lerem livros, fazerem atividades, pesquisas, enfim, agirem como estudantes.

Qualquer um poderia voltar e repreender aquela criança, exigindo o respeito que um professor deve ter. Eu não. Jamais faria isso. Há coisas que não podemos mudar e fica evidente a clara e manifesta visão de uma sociedade acomodada, cujo respeito e consideração pelo próximo (não pelo professor, especificamente) há tempos deixou de existir. Até aí tudo bem, todos pensam o que querem e agem como lhes convém.

Até aí tudo bem. Tudo bem???... Não! Não mesmo. Apesar de eu não o ter confrontado – sorri da situação –, não posso negar a minha insatisfação. Fico triste, é verdade, e seria uma hipocrisia de minha parte dizer o contrário, pois quem deve, primeiramente, ensinar bons modos às crianças é a família. Achar que a escola é obrigada a educar é um grande erro cometido pelos pais. Nosso papel consiste em orientar, mostrar como se faz isso ou aquilo e como agir diante dos problemas cotidianos relacionados à capacidade resiliente de cada um.

Há tempos os papéis foram invertidos, infelizmente!

Na hora pensei: você deve ter mesmo razão. Concordo, garoto – ironizei um pouco –, sou tão ruim, mas tão ruim que se eu fosse seu professor, certamente você não estaria falando assim: “mais ruim”. E nem precisaria citar nesta crônica, Pasquale, por exemplo, mas acho que não cabe a mim, aqui, ensinar a regra da utilização adequada do grau do adjetivo.

Se para ser um professor ‘bonzinho’ for necessário fazer tudo que os alunos querem, permitindo-os subirem nas paredes, literalmente, deixando o caos e a desordem tomarem conta do pedaço; pode ter certeza disso: serei sempre ‘o professor mais ruim’.

(Dorcídio Ponciano)