NEM DEU PRA MORRER DE AMOR

Já disse um dia que, para a maioria dos compositores, sua música é como um filho, com a diferença de que, em algumas vezes é gerada e parida a sós. Se bem que haja músicas com vários pais e várias mães. Eu mesmo já fiz músicas com mais de um parceiro (a).

Como a um filho, temos o mesmo amor a cada uma delas. Isto não nos impede de usar nosso senso crítico para achar um ou outro (os filhos) mais alto, mais calmo, mais alegre, e talvez até mais bonito sem deixar de amá-los (os filhos e as músicas) com igual intensidade. Pelo menos assim acontece comigo.

Deixando de firulas, quero contar a história de duas músicas que, por alguma razão, me chamam atenção.

Parodiando o “Rolando Lero”, estava eu, uma vez, ouvindo um CD do Pery Ribeiro, filho da Dalva de Oliveira com o Herivelto Martins, interpretando composições do Adelino Moreira. O CD, embora muito bonito, era inusitado, pois casava duas pessoas com estilos completamente diferentes. As músicas de Adelino Moreira, um compositor português de nascimento, (pouca gente sabe que Adelino era português) eram românticas, dor de cotovelo, enfim serestões e eram, via de regra, interpretadas principalmente por Nelson Gonçalves, enquanto Pery especializara-se em bossa-nova. Talvez a herança genética dos pais o tenha feito escolher tal repertório. Só sei que o CD saiu um primor.

Resolvi então compor uma música, e essa foi de geração espontânea e solitária, inspirado nas letras e melodias do Adelino. Saiu assim:

FALTOU ADEUS?

(Almir Morisson)

Se é por falta de adeus

Até logo, vá na paz de Deus.

O que mais tinha de meu

Minha vida, você já roubou

Mas eu só peço não abra

O álbum de retratos

Onde eu ficarei

Que é pr’eu não ver a saudade

No brilho malvado

Desse seu olhar

E vá se embora de vez

Não me deixe pensando

Que ainda me quer

Pois eu sei ler muito bem

Toda a falsidade

De uma mulher

Mas não é falta de adeus

Pois já fiz bota fora

Já mandei embora

E tem que ser agora

Já disse que é hora

Do sonho acabar

Só você não se dá conta

Que o problema é cruel

Pois quando me atender

E se você se for

Mesmo sem te querer

Sei que morro de amor

Gostei do fim inesperado da letra e coloquei uma melodia também inusitada. Comecei em La maior e nas duas últimas estrofes passei para Sol. Apesar de ser um tom abaixo, no trecho, a melodia ficava mais aguda. A melodia subia e a harmonia descia, ao mesmo tempo, de forma perfeitamente combinada. Como meu estudo musical é intuitivo, não sei se isso existe muito na MPB, mas foi a primeira vez que fiz nas minhas mais de cento e quarenta composições. Alguns poucos colegas declararam seu amor pela música, como o Gervásio, mas fora isso, não fez muito sucesso.

Uma semana depois estava no Mosqueiro, na nossa casa do Chapéu Virado, quando chegou a inspiração para um samba bossa-nova, lembrando o “Faltou Adeus?”. Já que o “Faltou Adeus?” terminava com a frase “...Sei que morro de amor”, comecei a bossa com “Nem deu pra morrer de amor...”. Na época nem imaginei porque misturar a seresta com bossa nova, todavia hoje penso que talvez seja o subconsciente lembrando-se da mistura do Adelino com o Pery.

Essa, todo mundo gostou, tanto que foi incluída no nosso CD do Clube do Camelo, em 1997. O Pepê ofereceu-se para completar o final onde eu tinha colocado um “la iá la iá...”, mas não aceitei, pois pra mim o “la iá la ia” estava perfeito e por alguma razão não queria parceiros naquela música. Aliás, as duas teriam que ser geradas por partenogênese, gemulação, ou seja lá o que fosse. Enfim, a reprodução teria que ser assexuada.

NEM DEU ...

(Almir Morisson)

Nem deu

Pra morrer de amor

Mas como me machucou

Depois que você se foi

A vida perdeu a cor

Nem deu

Pra curtir saudade

Mas o meu retrato

De frente pro seu

Chorou e até desbotou

Mas logo parou

Só deu foi pr’eu aprender

Que o tempo é que cura a dor

Que é fácil não ter você

O impossível é não ter amor

Pessoas podem passar

Mas o sentimento não

Sempre tem que ter alguém

No coração

La ia .........

Não sei se pelo inusitado do fecho da letra, da harmonia ou da mistura dos ritmos das duas irmãs, tenho uma admiração especial por elas.

Para que o leitor conheça resolvi colocar as duas músicas no Youtube. E se, quando estiverem lendo, a música ainda estiver na nuvem da internet (cloud), vocês poderão avaliar:

Faltou adeus... http://youtu.be/eQUOt65forQ

Nem deu... http://youtu.be/JPeh3-op__4

Fiquei feliz, pois perto de 15 anos depois de composta a “Faltou adeus?” foi reconhecida.

Fiz uma gravação ao vivo em um show nosso e mandei para a versão 2013 do projeto Talentos da Maturidade do banco Santander, na modalidade de música vocal.

Fui selecionado como um dos três melhores da região Norte. Ganhei a seletiva como o melhor da região e fui disputar o premio de melhor do Brasil. Não fui vencedor no concurso, mas só chegar até ali já foi uma vitória. Valeu pelo reconhecimento do júri e pelos amigos que conquistei.

P.S. O áudio das músicas citadas nesta crônica encontra-se no recanto das letras. http://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/73351

http://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/73352