Avenida Amazonas

Belo Horizonte,

Meu caro e mais estimado amor,

É fato que quase nunca ficamos com o amor de nossas vidas para todo o sempre. E isso não é motivo para lamento ou remorso. Ah, não. Isso é um fato da vida, e quanto mais crescemos e nos tornamos entendidos das coisas do mundo, reconhecemos quem fora esse grande amor que deixamos para trás.

Mas, como eu disse, haver um desencontro entre nós e o nosso estimo não torna nossa vida mais triste.

No meu caso, como ainda estou na mocidade e pouco sei sobre o mundo, pensar em você e em como houve desencontros entre nós ainda é doloroso. Entretanto, aprendi a extrair o melhor de ti enquanto te tive: seu jeito.

Digo, ele era a sua presença e como ela conseguia me afetar diretamente. Teus traços familiares denunciavam tudo para mim, como um idioma que eu dominava com fluência.

E quando volto ao passado e penso no seu sorriso sincero, que criava duas linhas em seu rosto, torna-se difícil dizer que te superei por completo.

Se já eras único sendo você mesmo, não tens ideia do quanto se tornou ainda mais singular ao transformar-se no vetor da minha paixão. Não apenas a carnal, mas a paixão de viver e sentir-se viva. Posso escrever cem frases qualquer, mas se uma delas eu criar em teu nome, com ti em meu pensamento, ela se torna calorosa, extasiante, minha referência da perfeita poesia. Céus, só porque quando leio qualquer traço que fiz com o teu amor me preenchendo, encontro-te nos espaços entre as letras e sinto o teu calor invadir-me novamente.

Tudo que fazia por ti e para ti era e ainda é a minha obra preferida.

Apesar disso, a gente consegue passar os dias sem o amor da nossa vida ao nosso lado, e nos conformamos com as lembranças que tivemos ao estarmos juntos.

Ah, mas tem vezes que a vida gosta de nos mostrar que ainda amamos o alguém que um dia se foi. Seja em forma da nossa música favorita, ou em um casal que passa na rua se olhando como nos olhávamos, ou simplesmente quando alguém no trabalho passa a mão no cabelo enquanto olha para o chão e raciocina algo, exatamente como passei anos vendo-te fazer.

Tem dias que pequenas coisas corriqueiras do dia a dia saltam-me aos olhos como a mais doce lembrança que eu podia ter de você.

Nessa manhã, uma quarta feira fria de verão, foi um desses dias que a vida gosta de lembrar-me da sua existência.

Subia as ladeiras em um daqueles ônibus no horário de pico, quando todos estão indo para os seus trabalhos.

Na Avenida Amazonas, você, ou melhor, sua lembrança, atravessou a catraca e parou quase que na minha frente.

Quando passei o olhar por aqueles olhos, comecei a lutar comigo mesma para não fixar maniacamente minha vista naquele olhar durante todo o trajeto.

A verdade é que não era você. E nunca havia de ser. Mas um alguém que era como você.

Possuía a sua mesma barba rala por fazer, os mesmos traços que soavam indiferentes quanto a tudo ao seu redor e, o mais gritante, usava a mesma jaqueta de couro preto que por vezes via você usar.

Senti uma vontade de gritar um eu te amo, só naquela hora percebendo que essas três palavras sempre estiveram entaladas dentro de mim.

A vontade de conversar com você e pedir por um abraço era tanta que aquele homem desconhecido pareceu um conhecido, o meu amor, você.

Desviei o meu olhar para a janela, tentando concentrar-me no sol que nascia, mas sentia minhas mãos geladas e o meu rosto ruborizado. Oh, até as mesmas sensações que você me trazia eu sentia ao estar próxima daquele homem!

De repente comecei a reviver tudo de novo, anos antes, quando deixei-me encantar pelo teu jeito, afinal, era o que havia extraído de melhor em você.

A nostalgia me fez passar o olhar várias e várias vezes pelo homem, repetidas, até o ponto de achar que estava deixando-o desconfortável. Mas muito provavelmente eu não estava. Eu apenas continuava a insistir na minha mania de achar que incomodava as pessoas, da mesma forma que fiz com você, muito antes.

Um lugar vagou ao meu lado, do outro lado do corredor, e aquele homem, que tão estranhamente parecia você, sentou-se, e, então, um outro detalhe me saltou: Ele usava calças claras com sapatos pretos. Eu nunca achei que tinha reparado isso em você, mas, com aquele ser ao meu lado, notei que você fazia sempre a mesma combinação. Senti que te redescobria de novo.

Senti você, de novo e de novo. Sofri ao perceber que já não podia mais redescobri-lo como pude um dia.

E, apesar de ter desejado te sentir novamente durante tempos, quando consegui ali, naquele ônibus, eu só consegui temer. Tinha um medo profundo de admitir que o meu amor por ti continuava intacto e que se você quisesse, abandonaria tudo para te fazer companhia. Eu temia a verdade. Preferia deixa-la abafada, e se assim fizesse por muito tempo, ela se tornaria apenas o meu passado.

Mas com aquele homem sentado ao meu lado se tornou difícil. Logo me deu vontade de cometer as mesmas loucuras que antes fazia em teu nome.

E se eu abandonasse esse ônibus agora e fosse te buscar? Ah, estava longe em demasiado do aeroporto.

E se eu te mandasse uma mensagem? Ah, mas não tinha o seu número, há tanto tempo.

E quem sabe se eu pedisse o nome desse homem? Mas por que eu faria isso, afinal? Se ele não era você! Não era e nunca seria. Mas a semelhança me deixava iludir, persuadir-me de que talvez um dia eu te encontrasse e ficaríamos juntos, para todo o sempre. Seríamos o desvio do fato da vida.

Quando o ônibus parou no meu ponto, desci com uma pontada de arrependimento por ter me separado do seu outro eu semelhante, na mesma Amazonas que havia o encontrado. Além disso, sentia uma tristeza por ele não ter descido no mesmo ponto que eu. Queria, no fim, ao menos ter ficado junto de você em uma realidade paralela. Descer junto com aquele homem, para mim, desesperada por ti, seria o meu para todo o sempre na Avenida Amazonas.

Escrevo-te esse confesso e rasgo-o no mesmo instante em que termino, na tentativa de abafar, mais uma vez, o que sentirei por tu durante toda a vida. Mesmo assim, destruo-o com a dúvida; será que um dia haverá da vida te colocar alguém semelhante a mim na tua frente? E será que tu afetar-se-ia tanto quanto me afetei?

Mesmo a resposta sendo sim para a primeira e não para a segunda, seguirei como naquele ônibus: amando-te em sussurro.