Pare de...

Parem o mundo, mas não que eu queira descer. Apenas deveríamos rever nossa forma de comunicação para um melhor convívio antes de seguirmos em frente. Porque o mundo seria um lugar muito melhor se as regras simples de convivência fossem cumpridas, como “Respeite o próximo”. Vou dar um exemplo real. Em um sábado à tarde desses ia eu a recolher os lençóis que havia estendido horas antes no varal do pátio comunitário do prédio onde moro e, para minha surpresa, algum morador havia furtado todos os meus lençóis, com os prendedores e tudo, e era como se eu nunca tivesse pendurado meus lençóis ali. Acho que só não levaram o varal porque precisavam dele para furtar mais roupas. Curioso como o cidadão comum se sente incomodado com guerras no Oriente Médio, rebeliões em presídios, violência doméstica, assaltos, sequestros, assassinatos, terrorismo, corrupção, mas ao mesmo tempo rouba roupa do varal, rouba sinal de TV a cabo, rouba sinal de internet, compra filme pirata, estaciona em local proibido, sonega impostos. E se não conseguimos resolver simples inconvenientes entre vizinhos, como encontrar a solução para temas mais complexos da sociedade como a violência em massa? Pois é, parem o mundo antes de seguirmos em frente.

Então me dei conta de que, já que regras básicas como “Respeite o próximo” não surtem o efeito óbvio, seria um bom começo rever a forma com que as regras básicas de convivência são comunicadas. Talvez a linguagem que sempre usamos esteja obsoleta. Continuando com o varal. Saiba você que já haviam furtado os lençóis de outra moradora algumas semanas atrás. Daí o síndico havia pendurado uma nota cínica e covarde na entrada do pátio, a qual eu lia novamente naquele momento desolador: “O condomínio não se responsabiliza por furtos na área externa”. Em outras palavras: “O condomínio convida a furtar de novo já que nada acontecerá”. Não é estranho como a forma de comunicar regras, ao invés de solucionar problemas, apenas nos esquivam de responsabilidade?

Há que se reformular nossa comunicação, meus caros. É uma questão de semântica. Foi daí que eu percebi o quanto temos sido frivolamente gentis nas palavras que escolhemos ao pedir às pessoas que deixem de causar danos aos outros e respeitem o próximo. Temos muito “Não faça isso”, “É proibido aquilo”, mas esses comandos de nada são disciplinadores ou reflexivos. Precisamos que o mundo pare um pouco. Precisamos que as pessoas parem um pouco – Pare! – É isso. As pessoas precisam parar e refletir antes de seguir em frente.

Comunicar alguém para parar de fazer algo é muito mais significativo do que apenas dizer para fazê-lo ou não fazer. Porque parar remete a uma mudança de ação. Substitua o reforço negativo do “Não faça isso”, “É proibido aquilo”, pelo reforço reflexivo “Pare de...”. O convidativo “Não pise na grama” se torna mais vigilante com um “Pare de pisar na grama”. O “Não fumar” substitui-se por “Pare de fumar”. “Limite de velocidade” se tornaria “Pare de correr”. Até o distante e eventual imperativo futuro “Não cobiçarás o que é do próximo” seria muito mais eficaz trocado por “Pare de cobiçar o que não é seu”. Pare de... Tudo seria mais fácil com este comando simples: “Pare de furar filas”, “Pare de ultrapassar o sinal vermelho”, “Pare de furtar roupas no varal”.

E isso não é apenas uma conjectura filosófica ou metalinguística, há comprovações empíricas, meu caro. A saber, outro exemplo real. É notório na literatura dos atendimentos da assistência social que as vítimas de abuso sexual ou espancamento sejam orientadas pelos psicoterapeutas a enfrentarem a próxima tentativa de ação abusiva com um aviso verbal enfático e firme, olho no olho, ao abusador: “Quero que pare de fazer isso”. O “quero” tem o efeito de anular a passividade que caracteriza a vitimização e o “pare” disciplina a reflexão sobre a ação do abusador. A ênfase é no enfrentamento contra a ação do abuso, porque é constatado que a violência doméstica, principalmente nas primeiras ocorrências, tende a não se perpetuar quando a vítima se impõe perante a agressão com as palavras certas, ao passo que a omissão e o silêncio só fazem fortalecer e progredir os abusos, deixando a situação mais complexa. Portanto, é muito mais eficiente pedirmos que se pare de fazer algo errado do que apenas pedirmos respeito. Imagine trocar o slogan “Não cometa violência contra a mulher” por um chocante “Para de machucar sua mulher”. Um outdoor desses faria muito mais gente refletir sobre violência.

Um passo a frente e concluímos que todos esses comandos de “Pare” se resumiriam ainda em um imperativo ainda mais simples, claro e objetivo: “Pare de ser babaca”. Siga o raciocínio, parar de ser babaca é um imperativo universal. Assim, vejamos. O “Não pise na grama” significa, no fundo, “Pare de ser babaca”. O “Não cometa violência contra a mulher” traduz-se nas entrelinhas psicanalíticas por “Pare de ser babaca”. O “Não jogue lixo no chão” equivale obviamente a “Pare de ser babaca”. Assim, até o universal “Respeite o próximo”, por exemplo, se torna “Pare de ser babaca”. As pessoas podem não saber sobre respeito, já todo mundo sabe quando está sendo um babaca. Simples, não?

E as roupas do varal, afinal?

Escrevi à mão bilhetes idênticos e os coloquei por debaixo da porta de cada apartamento do prédio com a seguinte mensagem: “Para nossa melhor convivência, pare com os furtos e devolva meus lençóis ao varal”. Em outras palavras: “Pare de ser babaca”. A lógica é que para cada vizinho que não cometera tal ato ficaria o alerta de que há algo errado a sua volta e não devemos nos silenciar. Por outro lado, imagine o vizinho culpado recebendo tal intimação. Nem ao vizinho da porta ao lado ele poderia pedir explicações, pois o remetente poderia ser qualquer um deles. E mesmo que o culpado pensasse ser um blefe, ele chegaria à conclusão de que seria mais sensato devolver o furto do que arriscar amanhecer com o síndico e a polícia batendo à sua porta por causa de algumas peças de roupa. Como resultado, em duas horas meus lençóis foram devolvidos ao varal, no local exato onde estavam como se magicamente nunca tivessem saído de lá, até com os prendedores milimetricamente presos ao mesmo lugar, de dar inveja aos inspetores do In Metro.

Como são mesmo mais eficientes as palavras objetivas e impositivas nas ações de cada dia. Como tantas ações estúpidas, tanta intolerância, tanta corrupção, tanta guerra, mesmo em suas complexidades, começaram com ações simples que poderiam ter sido resolvidas em seu início apenas com um: “Pare de ser babaca”.

Por isso, sei mesmo que o mundo seria um lugar muito melhor e menos violento se estivesse estampada quer em placas, em manuais, nas creches, nos muros das cidades e nos livros sagrados esta tão útil, disciplinadora e reflexiva verdade universal:

PARE DE SER BABACA.

Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 20/01/2017
Reeditado em 20/01/2017
Código do texto: T5887781
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