Sobre a Amizade...
 
     Às vezes fico pensando o que seria do nosso mundo, aquele particular, que cada um carrega de dentro de si, se não existissem os amigos. Sim, os amigos! Aquelas pessoas especiais que nos envolvem nas mais interessantes histórias. Aquelas pessoas que dão muita risada quando você leva um tombo, mas estão com as mãos estendidas para ajudá-lo a levantar, correndo o risco, muitas vezes, de ser levado pra baixo com você.

     Imaginem a solidão de olhar ao lado, sentado numa calçada, questionando a Deus e ao mundo sobre os porquês de certos caminhos, e não encontrar ninguém para ouvi-lo nem por um minuto sequer. Quanta mágoa deve se apoderar do coração daqueles que verdadeiramente não podem contar com ninguém nas horas mais cruéis pelas quais todos nós passamos, pelo menos uma vez na vida.

     Hoje, em especial, faço essa reflexão justamente por saber que existem amigos que duram por toda a vida, passe o tempo que passar, e estes são os verdadeiros, os legítimos, os autênticos. São estas pessoas que desaparecem por cinco, dez, quinze anos, mas quando reaparecem, é como se nunca tivessem estado ausentes.

     Nossa vida nos leva por caminhos que, inevitavelmente, culminam em separações, às vezes por décadas. Afinal, cada pessoa tem uma trilha a seguir, uma cruz a carregar, um projeto de vida a construir, e isso cada um faz na solidão de sua existência e na liberdade à qual está condenado. Sim, estamos condenados a ser livres, como diria Jean Paul Sartre em sua maior obra, “O Ser e o Nada”. E essa condenação nos leva a ter que fazer escolhas, e não há por onde fugir. Existimos, e pronto!

     Neste momento, após essa conclusão, é que percebemos que existir, por si só, não tem propósito, e tudo o que criamos ou construímos ao longo de nossa vida também envelhecem, perecem e acabam, fatalmente, se transformando em lembranças e exemplos, que serão seguidos ou contestados por outros.

     Dia destes, passando alguns dias no litoral, na cidade de Peruíbe, reencontrei um velho amigo, o Marco Reis, uma pessoa que jamais saiu do nosso contexto familiar, mesmo tendo estado poucas vezes em nossa casa. Quando veio pela primeira vez, em 1991, trouxe no sorriso e nas palavras a certeza de que, independente do tempo que passasse, sempre faria parte da nossa família. E assim o é, até hoje! Vive do artesanato, faz o que gosta e, muitas vezes, procura outras formas de ganhar a vida. Cria na madeira, nos desenhos, nas palavras, e acredita como ninguém na liberdade à qual estamos condenados.

     Seguindo seus olhares de mundo, muitas vezes descobri em mim coisas que não acreditava possuir e, dessa forma, construí minha filosofia de vida, minha forma de ver o mundo e interagir com ele, contestando o que não condizia com as minhas crenças e buscando na argumentação racional a consolidação das minhas ideias.

     Hoje, mais de vinte anos se passaram, e ambos mudamos bastante. Ganhamos um olhar mais apurado da vida, uma sincronicidade ímpar e um entendimento mais abrangente das manifestações da natureza e da humanidade. Aprendemos a respeitar mais, observar mais, ouvir mais, e também a argumentar mais. Enfim, descobrimos que tudo podemos, quando nos reconhecemos.

     Hoje me sinto leve, em saudoso agradecimento àqueles que me ensinaram a não desistir, que despertaram em mim a sagacidade e o dom da contestação racional, sem a fé cega, que transforma multidões em cordeiros serenos e mansos, esperando com resignação a hora de serem abatidos, para servirem de alimento aos chacais.

     E os amigos, sempre presentes, seja no abraço físico ou nas lembranças, acabarão fazendo parte do nosso caminho, do nosso mundo, do nosso desejo maior de crescimento e continuidade.