O Quintal da Tia Lina...
     
     Toda criança deveria ter tido a chance de conhecer o quintal de tia Lina. Pitangueira, amoreira, goiabeira. Mangas de várias espécies, árvores enormes. Ainda dá pra sentir o cheiro fresco e verde que vinha de lá. Devia ser primavera. Talvez verão. Sempre calor. O certo era que a estação nos permitia descer correndo a rampa de cimento improvisada que nos levava para uma sempre gostosa tarde de brincadeiras e explorações, onde não cabia o contar das horas.

     Lá embaixo tinha um poço. Tudo era permitido, menos chegar perto dele. O medo de que ele nos engolisse era tanto que ninguém chegava a menos de 5 metros do famigerado. Vai que tivesse areia movediça... eu ficava imaginando o quanto ele era gigantesco, escuro e sem fundo, guardando uma terrível desgraça para quem caísse dentro dele. O respeito também se estendia para os animais. Um porco gigante e muitas galinhas, presos, mas bem ao alcance de nossas fascinadas vistas infantis nos entretinham ao longo da rampa.

     Baixinha, falante e muitas vezes linha dura com os travessos, Tia Lina só estava realmente à vontade em sua cozinha, onde fazia questão de receber os parentes em meios a pães e bolos que ela fazia em um piscar de olhos enquanto a conversa rolava solta nas tardes de domingo. Ali eram seus domínios e de onde, gritando, dava autorização para a invasão do quintal. Mas tinha que voltar para tomar café...

     Uma das aventuras era atravessar o riachinho, onde o monjolo marcava as batidas da água. Ali não havia nem largura muito menos profundidade para ameaçar as crianças, mas quanta cautela! Uma tábua era a ponte que permitia avançar pelo quintal em direção à horta viçosa onde sempre havia alface, couve, salsinha, última parada dos adultos antes das despedidas que marcavam o fim da visita.

     Ruim era ter que ir embora e deixar de lado a correria, a algazarra dos primos, o esconde-esconde e as pitangas no pé. Feliz é ter tido a oportunidade de viver ali. Uma doce lembrança que agora fica mais triste com a despedida da tia Lina, a nossa Paschoa.

     Nunca entendemos porque Dona Paschoa era chamada de Lina, e nunca perguntamos também! Na verdade, só depois de adultos descobrimos o seu verdadeiro nome. Aquela presença gostosa, carinhosa, que completava com doçura e contentamento nossas tardes de infância não precisava de maiores explicações que complicariam ainda mais nossas mentes infantis. Então era Lina. E pronto.

     No quintal também havia um porão. Era enorme. Pelo menos para as crianças. Quando o quintal estava vetado para nós, era ali que nos concentrávamos para brincar, contar histórias, falar do futuro, ao lado das primas Viviane e Fernanda, com quase a mesma idade, e Franciane, a caçulinha. Era fantasia pura tomando conta de nossas vidas. Tudo ficava para depois assim que tia Lina apontava no pé da escada chamando para o café generoso que pausava nossas confusões no porão.

     Hoje, envoltos em tantas recordações, nos vimos subitamente olhando uns para os outros entristecidos pela partida de nossa querida. Olhamos para os dois remanescentes dessa linda família, tio Pedro, com sua lustrosa careca e um humor tranquilo, e mamãe Lourdes, com suas tiradas fabulosas nos encantando todos os dias. Eis que, subitamente, tio Pedro quebra o silêncio olhando pra nossa mãe, dizendo: “- É, Lurdes! Agora somos apenas nós dois! Quem vai primeiro?”. Minha mãe imediatamente responde: “-Eu passo a vez! Pode ir na frente!”. Tio Pedro devolve: “- Nada disso, as damas primeiro!”.

     Rimos com a brincadeira e refletimos sobre a importância de se viver bem e plenamente. Quem pode brincar tão despreocupadamente com algo tão sério, que provoca um misto de sentimentos tão contraditórios naqueles que ficam? Ah, a resposta é simples: pessoas que viveram em plenitude, que construíram suas vidas com dignidade, respeito, alegria. Que amaram com intensidade, e que não deixaram absolutamente nada pra trás.

     Torço muito para que, no descerrar das cortinas de nossas vidas, possamos ter a serenidade e a lucidez para olhar em volta e poder sorrir com a certeza da missão cumprida! E rebuscando nos arquivos da memória, possamos encontrar pessoas queridas que nos abracem com carinho e saudade, lembrando do quanto foi bom ter estado juntos nesta jornada linda da vida.