MORENO, O NOVO PRETO

Dizem na rua, em casa, nas reuniões de família, no trabalho, no bar, no bate-papo sem paladar, daqueles em que os nossos sentidos estão tão confusos que até numa tentativa de saída estratégica acabamos dando mais assunto aos prolixos politicamente corretos... ouvimos quase que diariamente, mas fingimos não perceber, mas afinal, o que há de se fazer? A grande maioria já até se acham bem cômodos com um conceito que os relegam à mediocridade de uma cultura opressora e impositória, em detrimento da vergonha, do constrangimento de não poder nascer duas vezes, ou, quem sabe, até poder escolher quando, como, onde se daria tal gestação que seria apenas mais uma... o que difere as pessoas neste mundo?, não vou dizer que são os fatores capitalistas, globalizados, comunistas, hedonistas, genéticos, sociais, geográficos, de gêneros, ou daqueles que dependem da tecnologia; responderei, nesta parte do texto o que se ocultou lá no início, em suas primeiras linhas: Já é lugar-comum hoje em dia que as pessoas não querem ser mais negras, num país onde em sua grande maioria, 54%, são formados por esta raça, e as pessoas que com elas convivem sempre dão um jeitinho de torná-las um “pouquinho” mais próximas do estereótipo que as manipulam – os(as) “morenos(as)”, ou até tentam fazê-las(os) brancas(os) encardidas(os) ou queimadas(os) do sol; ah, existem muitos que praticam um tratamento, digamos: politicamente indireto, com essa raça tão prejudicada durante séculos, “tadinha”; por exemplo, muitos bronzeiam-se durante algumas horas na praia, só para fazer questão de provocar a amiga negra, opa! “Morena”, dizendo-se estar com a pele igualzinha à dela. Ainda tem muitos que, para dar uma credibilidade ao seu discurso não discriminatório, quando muito, se dizem descendentes de índios. Um moreno, que na maioria das vezes, já impregnado no vocabulário, possui os seguintes poderes e significados – dá o poder daquele que o utiliza com tanta liberdade e franqueza de poder se imaginar conviver pacificamente, sem as amarras escravocratas, sem nenhum resquício deixado de outros tempos; perante o significado desse termo tão pejorativo, começam a surgir os desastrosos e injuriosos codinomes, que, por não poder brigar contra uma sociedade que continua racista da mesma da maneira que antes, mas só que trancando os negros em outras senzalas e em outros troncos, vão vivendo suas vidas de barões do engenho cosmopolitas, e vão surgindo – os “Negão”, “Neguinho”, “Pretinho”, “Urubu”, “Carcará”, “Tição”, “Nego bala”, “Neguinho da Beija-flor” (esse diz não se ofender, considera até carinhoso); seja lá nas oficinas; nos balcões dos “fast foods”; ou limpando as mesas dos grandes shoppings; nas milhões de casas de família; nas esquinas de ruas, às três horas da madrugada, com fome e com frio, mas tendo que se mostrar gostosa para ver se algum filha da puta adúltero, pervertido ou estuprador se interessa por alguns do seus atributos pessoas a serem trocados por qualquer dez contos, só para não passar fome; do outro lado, apelidos para brancos nunca se referem a cor, a não ser que esse branco seja um nordestino, mas aí o preconceito já seria de um nó atado por outras forças, o que não é o assunto tratado aqui.

Chamam-me de “moreno” e isso me dá nojo, porque sei que ao buscarem nesse adjetivo um eufemismo para não me igualarem ao meu passado de antepassados escravos, imaginam que devo ter algum tipo de desprezo de minha cor – o que posso dizer? Se novamente me fosse dada a chance de escolher a qual raça eu preferiria nascer, eu diria – Não existem raças, nem cores para definirem os seres humanos, o que nos define é invisível, imponderável e intocável – o caráter.

Agmar Raimundo
Enviado por Agmar Raimundo em 13/01/2017
Reeditado em 15/01/2017
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