Um Olhar Além...

     É impossível não se sentir um grande pecador na vida perante alguns eventos simples que nos ensinam de forma avassaladora. Na última terça-feira, aturdido e completamente absorto em meu trabalho, recebi um telefonema, no mínimo, curioso. Era minha filha Brunna, que com muita tristeza me relatava que havia encontrado uma andorinha ferida na Praça da Matriz, assim que saiu da Escola, e queria muito fazê-la comer, mas sua mãe achava que melhor seria devolvê-la à praça, pois possivelmente morreria, e a tristeza seria maior.

     Minha filha não se conformava com o destino daquele animalzinho e eu, sem muita paciência naquele momento, tentei convencê-la de que sua mãe estava certa, e que o melhor a fazer seria levar a pobre andorinha de volta à praça, pois quem sabe lá, ao natural, ela conseguiria sobreviver. Brunna pareceu entender, e desligou o telefone entristecida.

     Resolvido o problema, voltei para minha agenda com muitas demandas para resolver, quando um amigo, que acompanhara atentamente a conversa, sorrindo falou: “- Essa criançada, né? Lembro que quando eu era criança encontrei um Tisiu. Consegui salvá-lo dando papinha de fubá com leite”. Outro amigo emendou: “- Eu também! Já salvei um passarinho com papinha de fubá!”. Parei, olhei para os dois meio descrente, quase rindo! Afinal, será que somente eu na infância nunca havia salvado um passarinho com papinha de fubá, ainda mais misturado com leite, talvez por considerar que aves não bebem leite?

     Parei, pensei, refleti, pedi uma pausa e peguei de novo o telefone: “- Alô filha, deixe-me falar com sua mãe!”. Relatei à minha ex-mulher a história da papinha de fubá, e ela, meio contrariada, resolveu ceder e fazer a vontade da nossa pequena solidária.

     À noite, envolto ainda em meus trabalhos, recebi novamente o telefonema da Brunna que, entusiasmada, contou-me como foi seu dia como enfermeira do “Tico”. É, meus amigos, o passarinho já tinha até ganhado nome: Tico, para os íntimos! Falou-me do quanto estava sendo difícil fazê-lo comer, mas que devagar estava conseguindo. Fotografou o pobre pássaro, deu banho nele, e aí eu já começava a imaginar se minha ideia tinha sido tão boa assim, para o pobre passarinho, que já deveria estar estufado de tanta papinha de fubá com água, pois segundo ela, leite era coisa pra mamíferos, e não pra aves.

     Sorri e desliguei o telefone. Entrei no facebook e tinha um recado do meu amigo que dizia assim: “- Carlão, notícias do Fubá?”. Nossa, o passarinho já estava recebendo até apelidos! De imediato, respondi: “-Está indo na boa. Falei com a Brunna agora à noite. Ela está entupindo o passarinho de fubá! Acho que vai morrer de tanto comer, pois de fome não tem mais perigo!”. E assim achei que terminaria essa história. Ledo engano!

     Por volta das dez da manhã do dia seguinte, minha ex-mulher me ligou emocionada, e o que me relatou foi impossível não me levar às lagrimas. Vendo o empenho da Brunna em relação ao pobre passarinho, ela e o marido resolveram entrar no trabalho tentando ajudar de alguma forma. Foi então que perceberam que havia uma espécie de piche colando as penas das asas do pobre bichinho. De um jeito muito cuidadoso, conseguiram remover o piche e, subitamente, o passarinho começou a voar dentro da casa, arrancando gritos de felicidade não apenas da Brunna, mas de todos!

     Contou que minha filha pegou o passarinho com carinho, fez fotos, colocou-o em uma gaiola e pôs bastante comida e água, para que ele descansasse bem naquela noite. Logo pela manhã, ao acordar, antes de sair para a escola, foi até a gaiola, pegou a ave e falou: “Será que ele já consegue voltar pra casa sozinho?”. Foi até o quintal, abriu as mãos e o passarinho saiu voando, enquanto a minha pequena princesa, chorando de felicidade, dizia abraçando a mãe: “- Eu salvei uma vida, mãe! Já sei o que quero ser quando crescer: quero ser médica de animais!”.

     Não preciso dizer o quanto isso me emocionou e o quanto percebi que nossas atitudes indiferentes, às vezes podem negar grandes oportunidades de escolhas e crescimento. Transportei essa lição para a sala de aula, e revi minha conduta perante meus alunos. Quantas vezes a ocupação e a preocupação do dia a dia me impediram de dizer uma palavra de conforto e incentivo? Quantas vezes deixei passarem oportunidades de ouvir, de opinar e de direcionar atos para o bem? Quantas vezes deixei de ouvir meus bons amigos por aí, por não achar importante naquele momento!

     Ah, um momento define uma vida! Salva uma vida! E independente de ser a de uma simples ave, não deixa de ser uma prova viva da existência de Deus nessa dinâmica louca do Universo. E o mais importante, um momento define caminhos que podemos seguir. Tenho certeza de que, daqui a alguns anos, quando eu estiver assistindo orgulhoso a uma entrega de diploma numa Faculdade de Medicina Veterinária, haverá um pequeno “Tico Fubá” na janela, saudando a mais nova protetora, que na escola da vida, teve o apoio necessário para aprender e despertar com os maiores de todos os instrumentos da educação: O Amor e a Solidariedade!