NADA ?

 
E aí nada? Nado! Quase como um atleta olímpico! Cronista olhe a modéstia!

Que nada! Modéstia é virtude, valor, da Idade Média que a Igreja criou como porta-voz que era da nobreza para submeter os vassalos e servos a uma ordem histórica. No atual pós-moderno é importante que cada segmento social e individual saiba e aprimore suas habilidades e competências (e abaixo os conceitos de dom, iluminação como queriam também os alienantes  românticos).

Nado como eu queria nadar – não para competir como atleta. Mas como atividade física necessária para receber a vida que ainda tenho para viver.

O “nada” tornou-se tudo – com licença poética – e  começou com uma atração pela água sentida desde criança. E foi assim...
 
Meu pai sempre gostou de coisas exóticas e em uma de suas viagens trouxe um casal de marrecos. Aquela furta-cor do pescoço da ave e da exuberância da penugem foi um sucesso entre os vizinhos. Meu pai entusiasmado colocou a fêmea para chocar e construiu com placas de muro de cimento um poço raso para a família de aves nadarem. No inverno a água sujou toda de penas, dejetos e lodo. O verão chegou quente... foi motivo para eu e meu irmão limpar aquela sujeira toda e encher o poço de água limpa. O dia era passado ali no refresco daquelas águas que fazia brotar uma intimidade aquática. Medo de água nunca se teve.
 
Mais tarde veio a “caixa d’água” do sítio  da família de meu cunhado. Na verdade era uma piscina que recebia água de uma nascente  que se acumulava neste dique de cimento. No inverno a água tornava-se lodosa e cheia de girinos, sapos e rã-pimenta. A primavera trazia já a busca por aquelas águas. Nelas aprendi a boiar e institivamente as primeiras braçadas e ensaios de mergulho. Nadava-se com limos e rãs nadando na frente se desviando destes meninos intrusos. À noite sentia-se ainda o efeito fantasioso embalando os sonos e sonhos – aquela sensação de flutuar permanecia na memória corporal  até o sono chegar. Nunca se teve uma micose ou qualquer problema por estas aventuras em águas turvas – a saúde se reforçava tomando resistência aos resfriados.
 
Vieram os anos 70 em que ser bronzeado era quase uma exigência social. Começaram as temporadas de férias nas praias. O mar era sedução e a praia espaço onírico. Contavam-se os meses, os dias para ali estar. Primeiro as de Espírito Santo – conhecemos então o que era micose -  e depois Cabo Frio, sempre. Bronzeamento nas areias e o nado no mar o tudo – como remédio tópico aplicado com hora marcada.
 
Uma piscina sempre foi um sonho. Delirava-se em transformar a horta que o pai cultivava em uma imensa piscina onde se pudesse acordar e mergulhar todas as manhãs. Sonho é uma coisa e realidade é outra. A horta foi transformada em pequenos apartamentos para os irmãos morarem em um condomínio familiar humilde  que mantém a unidade do clã. Mas...
 
Mas a fábrica de seda antiga do bairro fora transformada em clube social e lá está ela, a piscina, coberta e aquecida usada como lugar de atividades aquáticas que atendem a escolas de educação física. Foi aonde se chegou achando que era o tal há 20 anos, porque técnica mesmo de nado não havia – só sabia dar algumas braçadas, pernadas, e boiava sem medo. Teve que aprender todas as modalidades do crawl, peito, costas e borboleta. O lúdico foi desenvolver todas estas habilidades ao lado do filho.
 
Aposentou-se. O filho sai para a lida trabalhar e o pai vai para a piscina: o nada se tornou o tudo terapêutico que cura as dores corporais advindas das obrigações profissionais.
 
Crônica encerrada porque a natação me chama nesta manhã chuvosa que desponta nas montanhas da Mantiqueira!
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 13/01/2017

   
 
 

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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 13/01/2017
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