O Sorteio da TV
 
Noite de confraternização do sindicato dos servidores federais. O salão do Hotel Hilton estava cheio. Comida boa, música melhor ainda, sem contar as dançarinas. Ah! as dançarinas...

Após sobreviver ao sufoco gerado quando as mulatas resolveram sambar para os presentes à mesa, sob o olhar fulminante das esposas, Roberto respirou fundo, deu aquela virada da cadeira, voltou-se para os demais e puxou um assunto qualquer:

- E o sorteio, hein?

- Sorteio? Hoje tem uma TV de 33 polegadas, tela plana, LG. Quem será o sortudo? Respondeu o Gomes.

- "Uma TV... hum, uma TV..." (pensativo)

A noite segue, o jantar é servido. Depois a sobremesa. Novamente as dançarinas se assanham para os olhares furtivos dos homens casados. Todos desconfiados, ares de seriedade sortidos com sorrisos amarelos.

O animador da noite, Marinaldo, com sua voz estridente interrompe a música:

- Obrigado pela presença de todos. Vamos dar início aos sorteios da noite.

Roberto parecia não se importar com os primeiros prêmios, estava concentrado no último. Introspectivo, parecia buscar uma conexão com o metafísico. Ato falho, deixa escapar em voz alta. – Nunca ganhei nada em um sorteio.

Havia um ressentimento incontido na voz de Roberto. A sorte parecia não ir com a sua cara.

- Quem sabe hoje não muda a sorte do Roberto!!!! Exclamou um dos presentes, conclamando todos à torcida. Todos vibraram. Brindaram à causa.

- Agora o prêmio da noite. E nosso premiado é.... é..., começa com “R” de Roberto Luís, que está ali naquela mesa!

- Uau!!!!! A galera da mesa vibra, todos batem palmas. Comoção total. - Que legal! Que legal!

Roberto quase não acreditou. Que noite! Levantou-se como um campeão prestes a receber uma medalha, triunfante, finalmente fizera as pazes com os deuses da sorte e do destino.

Marinaldo festejava a alegria do amigo, com o microfone à mão distribuía palavras de animação para a platéia.

- Parabéns, você é o grande sortudo da noite e levará para casa essa linda TV 33 polegadas. Parabéns Roberto Luís da Silva...

- Silva???? Que Silva? Eu sou o Pereira. Roberto Luís Pereira.

Silêncio. Aquela sensação de câmera lenta. Sorrisos congelados no ar. Que sacanagem é essa? Tem que ser o Pereira, Roberto Pereira.

Marinaldo, aflito, finge um ar descontraído e por um segundo parece cogitar a dizer – Opa, desculpe, é Pereira mesmo, eu li errado. Mas a consciência e o senso de honestidade falam mais alto, afinal, naquele papelzinho, maldito papelzinho, estava escrito claramente Roberto Luís da Silva.

- O ganhador é o Silva, Roberto Silva. – Onde está o Roberto Silva????

- Ele não veio. Não está presente. Sorteia outro nome. Grita lá do fundo um cidadão.

A essa altura, Roberto, o Pereira, não o Silva, parecia se afogar num copo de uísque, ou sabe-se lá o que era aquilo que ele bebia. Só sabia que o gosto era amargo.
Pegou a patroa e dançou a noite toda. Não tinha música ruim, e haja bebida para apagar aquela decepção com o deus da sorte, seu mais cruel e debochado algoz.

No dia seguinte, acordou sem lembrar de quase nada. Apenas um pouco de dor de cabeça e uma estranha vontade de ir ao shopping. E foi.

À noite, toca a campainha de casa. A esposa de Roberto abre a porta e se depara com o aperreio do marido segurando um enorme embrulho. Entra em casa cambaleando com a mercadoria, que tem uma nota fiscal da Lojas Americanas pregada com fita adesiva.

Dali a poucos minutos Roberto está sentado no sofá assistindo à sua nova TV de “trocentas” polegadas comprada no cartão de crédito em 12 vezes. Tudo volta à normalidade na vida de Roberto.