Mundo inimigo.

Mundo inimigo. 02. 01.17

A cidade ainda dorme, as ruas estão vazias, e os bares estão fechados, apenas alguns transeuntes bêbados e desavisados são vistos em uma esquina ou outra. Mas a cidade que durante o dia é tão movimentada ainda dorme o seu sono profundo. Parece até uma cidade fantasma do faroeste americano, sem vida alguma.

No centro da cidade de Sorocaba encontram-se apenas alguns mendigos dormindo ao relento, por sorte estamos no verão, calor insuportável, bom para dormir a noite ao ar livre, mas não tão bom para os mendigos na praça da matriz central. Ninguém se importa com eles, se estão com fome ou sede, se estão doentes ou não, se tem pais ou não, se tem filhos ou não, se tem nomes ou não. A verdade é que ninguém se importa com eles, são rostos sem identidade.

Por todo o centro de Sorocaba, em cada esquina, em cada canto, existe alguém ao relento, ou drogado e bebado, nem sempre vistos, mas estão lá. Afinal, o que é a cidade de Sorocaba? São os seus muitos prédios e praças? São as suas muitas ruas e avenidas movimentadas? Ou são os seus transeuntes apressados durante o dia? Gastando os seus recursos financeiros em coisas sem valor, entretanto, nos bastidores desta cidade super movimentada estão os verdadeiros personagens dessa cidade, sem expressão, sem nomes, totalmente esquecidos pelo poder público. Gasta-se em avenidas, gasta-se em centros de lazer, enfeita-se as ruas e os parques, mas nada é feito aos moradores de rua e os usuários de drogas, que todos os dias são vistos, mas ninguém os enxerga de verdade, são como estátuas imóveis e sem vida. A história de cada um deles não tem importância alguma, quem se preocupa de verdade?

Da poltrona do ônibus observo tudo isso todos as madrugadas quando estou indo para o trabalho. Eis o que eu vi; deitado de barriga para cima, camisa rasgada e suja, costelas a mostra na calçada. Aquele senhor, moreno, forte, não sei se dormia, não sei se estava bêbado, não sei se drogado, sei apenas que ele estava lá, espalhado pela calçada, calça rasgada e suja. Eu não sei o nome dele, eu não conheço a sua história, mas sei que ele tem fome e sede, não só de água e comida, mas de afeto, de carinho, de compreensão, de amor, de um olhar humano, de uma mão amiga, de um amigo verdadeiro. Hoje, especialmente hoje, dias que antecede o final do ano, onde muitos se preparam para a última ceia, comida a perder de vista, que depois será jogada fora. Qual será a ceia daquele senhor? Qual será? Talvez sejas os restos deixados na lata de lixo.

Da poltrona do ônibus observo tudo isso, esse mundo inimigo que ceifa a dignidade de muitos. Enquanto isso, talvez em alguma mansão luxuosa, alguém que poderia fazer a diferença nas pequenas coisas, não o faz, escolhe não fazer. O mundo inimigo se dobra ao sistema opressor, assim acontece todos os dias, em todas as cidades do Brasil e do mundo. Em Sorocaba não é diferente, é o mesmo mundo inimigo, oprimindo aos mais pobres. Da poltrona do ônibus eu apenas observo, até que em determinado momento do caminho, lá pela altura da avenida São Paulo, os olhos já pesados de sono, adormecem, e o mundo inimigo fica para trás, aquele mendigo sem nome também ficou para trás, talvez amanhã eu o veja novamente, talvez, se assim o mundo inimigo nos permitir mais um dia, enquanto isso, nossas vidas seguem o seu curso triste.

Tiago Pena
Enviado por Tiago Pena em 02/01/2017
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