A JANELA AMARELA (Uma Crônica de Ano Novo)

O Natal se foi.

E o futuro se coloca em nossas mãos.

Não obstante, ainda seremos os mesmos... O mesmo lar, os mesmos filhos e amigos, circunstantes e parentes,...Mas, uma porta ao desconhecido estará aberta, e com ela a expectação de territórios inexplorados, e , gestos de paz, saúde e prosperidade serão a ordem!...

O ano que se aproxima se traduzirá em diferentes formas de "apresentação", dependendo de quem será mero expectador ou veraz ator.

Na imaginação de cada homem criou-se o MITO. o "mito" do Ano Novo, como se ao ultrapassar-se os 365/366 dias , houvesse um "não sei o quê" transformador...Um Rito de Passagem com um trânsito e um "metamorfismo" , que se repete e se renova no inconsciente coletivo a cada passagem de um novo ano.

Com o findar da primeira festa de Dezembro, a languidez que se instala, reflexa aos estados esfuziantes e aos excessos cometidos, se reabastece de novas esperanças e novas incertezas para a segunda festa , para o novo Ano Novo, que se aproxima ou para o novo Ano Bom , segundo a expressão dos mais antigos.

Fincada à janela , ainda lusca à prematura hora, eu pensava todas estas mesmas coisas, participante inconsciente que era como os outros , do mundo coletivo de Yung.

Por outro lado, considerava qual seria o sentido que cada um teria tomado sobre estas festas de final de ano, e sobretudo , agora , pela última, em que se pesam os dias passados no ano que ora envelhece.

Ontem, a agitada alegria. a troca de presentes ( e até de favores ), as glutonarias, as bebedices e as tolices! Hoje, o contradiço, o instante funéreo, o silêncio tumular, a atmosfera infausta e até injusta para com o dia subsequente pós Natal!

Da minha janela, ainda baça, eu via um parqueamento "vago" , inerte, com veículos ao abandono a espera de seus donos. Nenhum som, nenhuma aragem, apenas um bafo tépido sufocante e a sensação de mundo mudo e seus elementos desapercebidos...Entretanto, havia algo!...Uma lembrança, uma presença viva, que sobressaía-se única e envolvente ao cenário do mundo morto : ....Era um aroma...Cativava o ar o cheiro doce do cravo e da canela! Trazia as imagens das quitandas do dia anterior consigo...E fazia contraponto com o odor acrimoso das botelas de vinho vazias, que insistentes , destilavam os últimos vestígios da antiga festa em desabrido!....

E eu, seguindo o instinto de meus irmãos de espécie, tomada pelo mesmo langor e pelo descrédito do dia, fiquei a ruminar minhas coisas...Havia algum tempo pela frente, o alvorar se mantinha bruxuleante em luzes alternadas, sem clarão e em cúspide com os talentos do céu ainda adormecidos. Dessa forma, com eles permaneci por mais algum tempo...

De súbito, uma brisa leve tomou movimento e me transpassou levando com ela o meu pensamento. Eu já estava "longe" da janela quando a vista se fixou à altura dos elevados montes em frente e foi neste momento, que , de imediato o que era azo se fez azougue!...De carreira. pressentí uma movimentação vinda debaixo:... Ao parque dos veículos , agora se irrompia um após outro morador, que escapando apressados tomavam distraídos cada um seu devido transporte. E já , os primeiros ruídos de transeuntes, a abrir portas, a descer escadas, os "impacientes de elevador", a voz que clama a despertar alguém, que então se faz de escambo a quem o desperta...E o buliço só aumentava à medida que o prédio acordava e o instante se adiantava! Um lufa-lufa de formiguinhas zonzas a correr em movimentos automáticos , reflexos e condicionados também e talvez mais , pelas trivialidades do cotidiano já consumidas e devidamente incorporadas. Tudo se tornava igual! Já não era o dia pós festa! Era só mais um dia de fainas, que não dava ensejo e nem tempo pra pensar o que se fora ontem , mas era o que esvaziava as almas , aviltava os espaços sagrados e impedia a contemplação das reminiscências do dia seguinte ao Natal!

E os seres errantes seguiram resolutos seus destinos, ignorantes de todo o resto e sobretudo, "daquele espaço" , sítio de ficar sozinho consigo, lugar de pensar suas coisas , sentí-las, traçar planos e sonhar...Mas , a "revoada" levou tudo! Carregou com ela a totalidade das tarefas e dos compromissos do dia , todavia. esqueceu em casa o espírito!

Eu estava ainda à janela, quando o último passante se esvaiu e com a ausência dele tudo ficou quieto novamente. Pude , assim , voltar às minhas memórias interrompidas e com o olhar absorto percebí uma luminosidade , que com gravidade se despontava à minha janela. Voltei então, aos resquícios do dia anterior, das vozes , dos sons, que da minha morada eu ouvira , e que eram daquelas mesmas pessoas que se foram e que estiveram em data sagrada há poucas horas atrás como em uma dança burlesca passando o Natal vizinhas à mim!

Arruinaram seus sentidos e ao acordar se depararam com a realidade feroz d'uma rotina insana, que escraviza e que asfixia os bons propósitos, que entorpece as sábias decisões, que enlouquece o bom senso e deixa seus passantes deslembrados do significado da festa que se foi!

Poderiam ter seguido um novo dia em bênçãos, de forma leve, diferente dos dias comuns...Mas , são aqueles que têm o espírito no assador, o sangue fervilhante de vinho e a mente confusa pela decisão de qual prato ir primeiro! Pessoas que fazem de seu ventre um deus, e, que , portanto, não se abrem ao tempo do nascimento do próprio Deus e da sua mensagem!

Foi desta forma e após considerar todas estas coisas, que uma "cena" surgiu à minha frente : Uma janela dourada, em tons de amarelo fortes como o sol... Deteve o meu olhar pousio e cúmplice num "painel" fulgurante de manhãs purpurinas, venturas manhãs , cujo clarão sobre o altar dos montes , onde está o menino Deus em seu trono e já nascido , anunciava o manar de mais um escopo de verão, que se descortinava em claridades e em raios - setas douradas , e em cantos de cigarra - solfejos que marcavam cadentes trilhas a varar caminhos de arrebol...Tão lúcidos e tão nítidos quantos são os escorreitos propósitos de Deus para nós e para cada Ano Novo que se inicia - Meta abençoada que ruma à plagas formosas - Porto seguro de todos aqueles que concentram seus passos "ao jugo suave e ao fardo leve" do Nosso Senhor Jesus!

Regina Caelli
Enviado por Regina Caelli em 30/12/2016
Reeditado em 16/03/2020
Código do texto: T5867017
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