Seu Explicatudo

Seus amigos estavam habituados ao seu modo peculiar de compreender e explicar o mundo. Nada o assombrava, por mais terrível que pudesse parecer aos outros. Para todos os acontecimentos encontrava uma explicação que lhe parecia perfeitamente razoável e suficiente. Não dava a menor bola para mistérios. Segundo ele, mistérios são apenas fenômenos não explicados. Uma boa explicação fulmina qualquer mistério. Sempre com uma explicação pronta para tudo, ganhou o justo apelido de Seu Explicatudo.

Não se pense que era um homem culto, capaz de explanações eruditas ou de arrazoados teológicos ou filosóficos. Nada disso. Não cursara mais do que o ensino fundamental, mas era uma pessoa atenta às coisas e ao mundo. Lia tudo o que lhe caía nas mãos e sempre encontrava uma conexão entre um acontecimento e outro. Nem sempre convencia seus ouvintes, por mais que suas explicações tivessem fundadas em certezas quase absolutas.

A depender da complexidade do acontecimento, sua explicação, não raro, apoiava-se em alguma teoria conspiratória. Por exemplo, quanto ao trânsito de naves espaciais pela nossa atmosfera, de evidente comprovação, segundo ele, por incontáveis testemunhos mundo a fora. Por que parte das pessoas nega o fato? Ele se perguntava, enquanto discorria sobre o tema diante de pequena platéia atenta às suas explicações. Resposta, medo. Por puro medo, as pessoas negam realidades que as assombram. Segundo Seu Explicatudo, esse é modo que as pessoas encontraram para lidar com as ameaças. Afastam a realidade intrusa do campo de sua percepção. Pronto, tá resolvido o problema. Sua explanação não se detinha aí. No caso das naves espaciais, seria impossível não terem sido percebidas pela Força Aérea dos Estados Unidos. É claro que foram. E Por que não confirmam o fato e acabam com a incerteza? Pura estratégia. Sonegar informações faz parte de sua política de evitar pânico. É o mesmo procedimento que adotam quando escamoteiam informação sobre uma epidemia, por exemplo.

E assim Seu Explicatudo seguia sua vida em perfeita harmonia com a lógica, onde o mistério não tinha lugar e tudo podia ser devidamente explicado e compreendido. Até que um dia um conhecido aparece diante dele com um jornal e uma tragédia. A manchete estampava “Criança morre arrastada por um carro, presa a um cinto de segurança”. O texto informava que os assaltantes não quiseram esperar a mãe retirar o filho. Uma brutalidade inominável. Outros se juntaram para compartilhar o horror daquela notícia. Alguém perguntou. Como a gente pode explicar uma maldade dessas, Seu Explicatudo? Pela primeira vez, prevaleceu o silêncio. O homem que sempre tinha uma resposta para tudo não podia nada explicar. Com o olhar perdido no vazio, balbuciou: “o mistério da crueldade humana não tem explicação”.