ROTINA

Apertado, atrapalhado, afobado, ele segue, ele caminha. Tropeça disperso, e o dia ele começa já quase caindo. O mesmo curso, percurso, estrada arraigada, ele não muda. Não renova, inova ou reinventa, ele só caminha. Só, caminha, sai de casa, a

mesma praça, a mesma cara, ele não muda um alfinete, um filete, um riacho, um diacho de atalho, ele não pega. Ele trabalha, lavora, labuta, na farsa fajuta e tenta passar o dia, o dia não passa. Não agrada, faz piada ou dá risada, não conversa, só trabalha, e só, trabalha. O dia não passa, o sol não raia, raiou, e a alegria, ela não chega. Mas o dia voou, passou, passou correndo, viajando, acarreado, disparado e fez pretérito passado o dia que mal começou. Então ele volta, revolta, rodopia, ele caminha, não desvia, o mesmo caminho. Chega a casa ele cozinha, ele se lava, limpa a casa, labuta de novo, e labuta sozinho. A casa, moradia, arredia, guarda a noite, guarda o dia, guarda a caixa, guarda a cama, a TV e a agonia, mas não lhe guarda. A casa cheia, cacareco, treco, entocada, amontoada, mas está vazia. Falta amor, carinho, aconchego, alegria, risada gargalhada, é casa vazia. Solitário, ser sozinho, sai de casa e volta para casa, o mesmo caminho. Caminho memorizado, fixado e decorado de tanto ser trilhado, mas não é lar. Guarda a roupa, o fogão, a geladeira, guarda o pó e a poeira, mas não lhe guarda. Ele não chora, não resmunga , não reclama, faz delonga ou interroga, só aguarda. Sem querer, sem saber, sem ser, espera o dia onde a casa não estará vazia. Andarilho, viajante, emigrante, retirante, está livre mas é cativo numa rotina embriagante de ser falta rotineira, cansaço, espaço sem abraço. Senhor, doutor, mestrado, estudado não se atém a sua própria companhia insuportável, abominável. Por dentro dói, a alma grita, mas a voz cala, silencia, está numa casa vazia...

Caroline Campos
Enviado por Caroline Campos em 27/12/2016
Código do texto: T5864940
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