Theo

Concordou em caminhar com Alice no shopping, a esmo. Não era o tipo de coisa que gostasse de fazer, mas com ela ...tudo bem. Mulheres sempre emprestaram um certo brilho à sua opacidade. Bonitas, feias, magras ou gordas, não importa, se fossem mulheres, bastava. Seu tédio acumulado com o mundo masculino já avizinhava o limite. Conversar com mulheres, ter algumas como amigas, tornava esse limite um pouco mais elástico, atenuando sua intolerância com as questões machistas.

Amores? Bem, teve alguns. Algumas dessas amigas fizeram amor com ele. Não tinha como objetivo levá-las para a cama, mas, vez por outra, acontecia. Theo gostava de camas quando vinham depois do banco de algum parque, uma boa conversa sobre um livro ou um filme, um passeio no campo ou qualquer um desses refinamentos justos a uma reciprocidade crescente. Esse era o caso de Alice.

Pararam na frente de uma loja no primeiro andar. Loja para ele, joalheria para ela. Uma bela e respeitável joalheria local. Alice não era disso, mas empurrando-o delicadamente pela cintura, o fez entrar:

- Vamos ver os preços das alianças? Só ver.

- A esmo no shopping, ein? Bem que eu estava achando esquisito esse passeio. – ele disse.

- Poxa! Eu não lhe convidaria a vir numa joalheria, pois sei que não gosta. Não fica bravo comigo. – disse com um eficiente beicinho no "comigo".

Já dentro da loja, iniciou suas pesquisas: preços, quilates, formatos, planos de pagamento, etc. A cada pergunta de Alice, a vendedora dirigia um olhar a ele, adicionando comentários plásticos do tipo "HA, HA! ....ela lhe fisgou...que bonitinho".

- Ok, resmungou. Espero você no café da entrada.

Tomou um puro-curto e, como ela se demorava, pediu outro. Passou o tempo procurando, discretamente, se distrair com as pessoas à sua volta. Por algum motivo, priorizou casais. Uns apenas passavam, enquanto outros se detinham por algum tempo em uma ou outra vitrine. Eis que um deles resolve ocupar a mesa próxima ao balcão em que ele estava. Ele devia ter uns 30 anos, pensou. Ela uns 18 e olhe lá, 19 no máximo. Estaria naquela idade em que o jeito, ainda de menina, tenta administrar os destinos de um já flagrante corpo de mulher. Lembrou-se da idade de Alice, da sua e do medo em assumir tudo aquilo.

Uma pequena caixa foi posta a seu lado, no balcão de vidro da cafeteria.

- Trouxe pra você. – disse Alice.

Deu-lhe um beijo rápido e discreto no rosto. Sabia que seu homem não era lá muito afeito a demonstrar carinho em público. Mostrou-lhe sua mão para certificá-lo de que já estava usando a sua.

- Meu Deus! – ele murmurou. O que você...

Com a mesma mão da aliança, cerrou-lhe a boca, começando seu pequeno discurso, num ritmo e tom de voz pausada, com compenetração típica de quem tem algo muito importante a dizer:

- Resolvi começar a usar a minha, pois já sou sua faz tempo e, mesmo que isso lhe incomode, paciência, pois como disse, já sou sua faz tempo. Se isso lhe assustar muito, pode me mandar embora. Estou disposta a correr o risco. Mas, veja bem, é importante para mim que você saiba: eu já sou sua faz tempo. Todos os meus planos, antes de lhe conhecer, não mudaram em quase nada. Não os descartei, apenas os adaptei à sua presença. Alguns eu abandonei por serem vagos. De outros me afastei, pois iam me distanciar de você. Quase tudo que hoje eu faço está ligado a você. O curso que vou começar, no mês que vem, tem um pouco de você, pois sei que se orgulha de mim por eu não ser burra, nem acomodada. Se você gosta de uma mulher autônoma, quero ser autônoma com você. Isso existe? Não sei. Vou criar.

Theo abriu a caixa e pôs a aliança no dedo. Tremia um pouco, mas apenas as mãos. O resto do corpo permaneceu calmo, sereno e lhe sorriu.

Como um pássaro recém-nascido, ela foi se ajeitando em seu ninho, entre os vários agasalhos que Theo vestia, naquela noite de inverno ... em junho.

GripenNG
Enviado por GripenNG em 24/12/2016
Reeditado em 24/02/2021
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