ENTÃO É NATAL

Quando eu era pequena, adorava o Natal. A expectativa de esperar pela noite em que, finalmente, poderia abrir os presentes, comprados, embalados e colocados lá no alto do armário, longe do alcance das minhas ávidas mãos infantis, era quase insuportável. Montar a árvore de Natal era bem mais divertido na minha infância. Os enfeites eram de vidro, tão lindos e delicados.... Embalados cuidadosamente, um a um, aguardavam o próximo Natal, quando seriam, mais uma vez, libertados. Mamãe deixava que eu e meus irmãos a ajudássemos e, não raro, algum enfeite se espatifava no chão. Ela não ralhava com a gente, mas a decepção estampada em seu rosto doía e eu me sentia tão culpada... E, depois, colocávamos algodão na árvore, para imitar a neve, que nem sabíamos o que era direito. Quando o pisca-pisca se acendia, algo dentro de mim se acendia também. Algo bom, algo mágico...

Bem que minha mãe e minha avó tentavam explicar o verdadeiro sentido do Natal, menino Jesus, bondade, amor e paz. Mas, caramba, eu era criança! Queria era enfeitar a árvore, comer rabanadas (sou louca por elas até hoje...) e abrir meus presentes. Menino Jesus era uma realidade mais distante que Papai Noel. Aliás, não lembro se cheguei, um dia, a acreditar em Papai Noel. Devo ter acreditado, mas, sinceramente, não lembro. Como também não lembro quando deixei de acreditar nesse ícone tão fora do nosso contexto, com suas roupas de lã, luvas, gorro e botas, quando tudo o que queremos, nessa cidade maravilhosa e ensolarada, é colocar um biquíni e ir à praia ou mergulhar na piscina.

Quando meus filhos eram pequenos, tentei preservar essa magia. Gostava de montar a árvore e pedia para eles me ajudarem. Mas os tempos eram outros e eles, apesar de gostarem do Natal, não sentiam o mesmo entusiasmo que eu com essas pequenas sutilezas. Acho que as crianças da era do videogame perderam muito em relação às da minha geração...

Hoje, após vivenciar tantos natais, já não curto tanto. Aliás, curto muito pouco mesmo. Primeiro, porque já não há crianças na família e Natal sem criança não é a mesma coisa. Depois, porque me desencantei há tempos com o consumismo desesperado que acomete as pessoas, cada vez mais cedo a cada ano. É preciso comprar os presentes, sem esquecer de ninguém, ainda que isso signifique o estresse do shopping em final de ano, com uma boa discussão com o marido de brinde, pois ele é um insensível e não entende nada de nada mesmo. É preciso enfrentar supermercado cheio, filas quilométricas, para comprar o peru, as castanhas, o vinho, as uvas e sei lá mais quantas guloseimas a fantasia gastronômica de cada um é capaz de inventar. É preciso estar bem vestido, deslumbrante, e... meu Deus, que sandália linda! Custa uma pequena fortuna, mas é Natal, ora bolas!

É Natal... Pra quem? Pra mim, pra você, talvez. Mas para um número bem grande de pessoas, as luzinhas não piscarão na noite do dia 25. Milhares de crianças não têm nem mais a ilusão de sequer poder sonhar com um brinquedo no seu pobre sapatinho furado. E seus pais, coitados, com seu coração em pedaços, choram em silêncio a angústia de não poder dar a eles nem um panetone.

Não estou querendo estragar a festa de ninguém, longe de mim. Eu ainda curto ver que a família faz esforços para se reunir nessa data. É bom cear todo mundo junto. É bom rever aquela tia que você não vê faz tempos, porque a vida é assim mesmo, encontros e desencontros. É ótimo sentir que as pessoas ficam mais generosas no Natal. E, sinceramente, isso é outra coisa que nunca entendi. Por que ser bonzinho só no Natal? Por que cumprimentar o vizinho só agora, você que sempre diz que ele é um metido e que nunca sequer lhe deu bom dia? Por que se sentir o máximo só porque arrumou seu armário e doou um monte de roupas velhas que não lhe cabem mais porque você engordou?

É Natal. Mas o Natal verdadeiro é muito mais que isso. Praticar o bem, ser delicado e educado, até com aquele garçom que está te ignorando há horas, distribuir sorrisos e bons-dias, não xingar aquele motorista barbeiro que te deu uma fechada, praticar a caridade o ano inteiro (e não só porque é Natal e você começou a se sentir culpado) é obrigação de todos.

Então, neste Natal, eu desejo a você menos hipocrisia e mais sinceridade em sua vida. Amigos leais, não-ocultos, que telefonam, que te querem perto, cujos olhos brilham de prazer quando te veem, que cancelam compromissos só porque você chamou. Paz de espírito, a paz que vem da consciência tranquila, de saber que demos o nosso melhor, que fomos importantes para alguém num momento difícil e que, definitivamente, fizemos a diferença. Respeito pelo próximo, seja ele quem for, do mais humilde faxineiro ao político mais importante. Quero acreditar que todo mundo tem algo de bom pra dar e isso deve ser levado em consideração. Finalmente, te desejo amor, muito amor. Porque tudo nele se resume. Que você possa ver, nos olhos de quem você ama, o mesmo carinho e cuidado que tem por ele.

Enfim, eu te desejo o Natal mais abençoado e iluminado que você já teve. E que todos os dias do Ano Novo sejam Natal pra você.
Rosa Pinho
Enviado por Rosa Pinho em 19/12/2016
Código do texto: T5857946
Classificação de conteúdo: seguro