Saudade sem fim

Sabe, não temo ser incoerente com as convicções e os sonhos que tenho. Se o meu coração por muito sente como se raciocinasse, por isso se fazendo convicto da realidade de maneira muito pessimista, mesmo que sem dramas; deixo um espaço reservado nele à ignorância (não à que machuca os outros, mas a que o permite soltar asas para a esperança e a leveza, e para a liberdade deste mundo massacrante e rispidamente real). Se o não fizer, como é que poderei ser às vezes iludido, fugindo à dor cotidiana, à ferocidade dos homens em sociedade? Como é que poderei, de alguma forma, contribuir com aqueles que passam por momentos de tristeza, de desesperança? Como é que poderei olhar àqueles que amo no momento mais triste de toda vida, na hora da morte?

Pensei assim por esse dia que se passou e acordei pela manhã pensando nisso uma vez mais. Ocorre que ontem mais uma pessoa que habitou meus dias faleceu, com a qual papeei pela última vez num tom muito agradável, junto da esposa que foi minha professora na infância, falando sobre os espinafres da horta e outras coisas simples e gostosas do cotidiano. Lembro-me dele, além dos casamentos e festas de família, já que somos de certa forma parentes, sobretudo de cumprimentá-lo na casa ou na rua ao cruzar diariamente o seu caminho, conversando um tanto às vezes e às vezes não, quando ia numa grande paciência fosse o lado que ia, isso no tempo em que trabalhava com meu pai, em seu antigo mercado, que ficava de frente à casa antiga em que ele morava. O problema é que quando um companheiro se vai, voltam muitos ao nosso convívio, de repente, e as memórias vão inevitavelmente se costurando.

Ao lado do mercadinho, morou por um tempo a minha segunda família, cuja minha tia Maria do Carmo e minha prima Haiala deixaram também para trás nossa convivência. Tomávamos um chimarrão periódico ali na área da frente dessa casa, que hoje está demolida, além de que eu passava horas e horas com eles. Estupidamente, no entanto, isso foi arrancado de nós, antes da morte ainda, pelas próprias exigências da vida. Contudo, como faz falta!

Estúpidas as passagens também de meus primos Jeferson e Aline. Impossível de acreditar como, tão lindos eram, foram-se assim de súbito. O Jeferson acho que tínhamos algo muito parecido, além da bronquite, que era o jeito de conversarmos um monte andando para lá e para cá, quando vinha lá em casa, eu me lembro bem. Cheio de sonhos e força para conquistá-los. A Aline, não houve sorriso mais lindo que eu me lembre, e ainda não há. Não sei por que o guardo tanto. E seu jeito irônico e despojado, que a mim me agradava muito, até hoje.

Se for puxar na lembrança, quanta gente! A Verinha, menina mais doce e sofrida, tão amiga; o Jair, com quem discutia na praça, a qual ele zelava; o Barba, com quem cantávamos canções italianas e conversávamos horas e horas, bebendo a nossa “cagibrina”; o Silvani, com suas risadas e histórias; a D. Apálice servindo-me pão com sal a meu pedido; o meu tio Roque, que faz tanta falta, pessoa mais guerreira do mundo, de quem tiro inspiração para sempre...

É, hoje, com meus trinta e cinco anos, não dá para citar todas as perdas, nem elencar quantas me deixaram mais saudades. Mas foram-se e vão-se indo, todos esses que comigo estiveram no coração, inevitavelmente. E volta e meia voltam, me habitam profundamente, me fazem chorar de lembrar.

De tudo, o que pode restar senão a esperança (mesmo que por ilusão) de que noutro dia mais além estarei num domingo à tarde, após o chimarrão na casa da tia Maria, rumando pela rua ainda de pedra da Penha em direção à frutaria, com a Haiala ao lado, tal qual de costume, acenando para todos que se foram, abraçando o Barba já meio bebão e eu também bebendo alegre junto dos amigos de sempre?! A Verinha ali do lado. A Aline na outra mesa. O Jeferson com a piazada mais à frente... Como se se reconstruísse toda a vida, mas só o que há de paz e de feliz. Talvez eu com oito anos de idade, almoçando na casa de minha avó querida, rodeado de pessoas que amo, debaixo das parreiras da chácara em que vivia, com toda a minha família se rindo. Tomara fosse assim e seria de estourar de alegria esse dia!