Conjeturas Informais sobre a Morte

Um grupo de amigos conversa despreocupadamente em torno de uma mesa. Alguém puxa um jornal e lê. Quatro tragédias na mesma semana em continentes diferentes. Nada desperta mais o interesse das pessoas que uma tragédia, quatro então, nem se fala. Ouvidos atentos, o leitor prossegue. Furacão nas Filipinas devasta povoado. Duzentos mortos e centenas de feridos. Alguém comenta. Pobre dessa gente, sempre exposta a esses fenômenos da natureza. Outro retruca. Até que morreu pouca gente, já houve casos bem piores. Um terceiro diz. Pelo menos o Criador nos poupou dos furacões e de outras mazelas naturais. No fundo da sala, outro comentário. Em compensação, nos deu os políticos, que representam nossa pior tragédia. Indiferente, o leitor continua. Novo terremoto no centro da Itália destrói construções históricas que remontam à Idade Média. Mais de cinquenta mortos e dezenas de feridos e desabrigados. Esses italianos, hein? Comenta alguém. É um terremoto atrás do outro, nem parece que o Papa mora por lá. Cadê a proteção divina? Diz outro, é um povo acostumado às desgraças, desde o Vesúvio que cobriu Pompéia de lavas, sepultando milhares e milhares de pessoas. Um ouvinte atento diz. Até agora foram duas tragédias, vamos logo à terceira, aposto que nem mesmo a italianada se lembra desse desastre, que deve ter sido na época de Cristo. O leitor prossegue. Então vamos à terceira tragédia. Boko Haram invade cidade na Africa, fuzila dezenas de habitantes e rapta centenas de meninas. Alguém emenda um comentário. Deus do céu! Que continente desgraçado! Quando não é a fome são os terroristas. Um ouvinte menos informado diz. Mas que sujeito terrível esse cara, hein? Fez isso tudo sozinho ou foi auxiliado por comparsas? Que isso, fulano, retruca o leitor, Boko Haram não é um cara, é um grupo terrorista, vamos logo acabar com isso. Prestem atenção que essa tragédia agora é recentíssima. Avião que transportava time de futebol brasileiro de Chapecó cai em território colombiano, matando 75 pessoas, entre jogadores, comissão técnica, jornalistas e tripulação. Pelo amor, de Deus, homem, quando foi isso? Grita um dos ouvintes. Um arrepio perpassa o ambiente. Todos ficam estarrecidos. Os comentários se sucedem desordenadamente. Morreu tudo isso? Deve ter escapado alguém. Que tristeza, um time inteiro morto logo agora que iam disputar a final Sul Americana. Não é possível! Tem o nome dos mortos aí ? Eu conheço uma pessoa da comissão técnica do time, um sujeito ótimo. Nossa Senhora! É muito sofrimento, coitados dos jogadores. E das famílias deles, gente. Um momento de comemoração e alegria, de uma hora para outra vira essa tragédia. Caramba, não mereciam isso. Pelo amor de Deus, tinha que cair logo um avião com um time brasileiro? O leitor comenta que é da mesma cidade do time vitimado e se cala. Silêncio na sala. Não se ouvem mais comentários. A feiura da morte é mais assustadora quando ela chega mais perto da gente.

Domingos Sávio ferreira
Enviado por Domingos Sávio ferreira em 29/11/2016
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