Olhos, amor e obrigações que me inspiram

Saindo de casa numa manhã quente, iluminada pelo sol caloroso, tipicamente do agreste sergipano, que deixava a estrada perspícua. Subo para o ônibus a caminho de Muribeca em busca de mais um dia de aula.

     Durante aqueles poucos minutos que antecediam a minha chegada ao colégio, a garota que estava sentada ao meu lado não disse uma palavra, mas não era necessário, seus olhos falavam literalmente tudo o que seu coração estava sentindo: medo a mãe abandoná-la para sempre!

     Embora a insegurança fosse muita, a negrinha de olhos escuros e cabelos trançados - uma trança do lado esquerdo, a outra, do direito - não deixou derramar se quer uma lágrima de seus olhinhos pretos. Porém, a vontade era enorme, e isto era notório por todos que a viu naquela situação. A mãe, por sua vez, pediu ao motorista para parar o ônibus. Todos que estavam presentes no transporte viram a comovente cena.

     E eu? Eu só a observar...

     O motorista atende ao pedido da mulher. Pára o carro. Ela desce do ônibus com sua filhinha e vola às pressas em busca de três bolsas enormes de viagem que tinha deixado na poltrona do veículo. As sacolas aparentavam estarem cheias de roupas e outros apetrechos indispensáveis para fazer uma viagem. todos os passageiros ficaram surpresos quando a mãe, que estava nos degraus do veículo disse:

     - Náh, não saia daí! Seu pai chega já e tome esse dinheiro para você comprar um lanche! - E jogou uma nota de dois reais no chão.

     A negrinha, que tinha por apelido Náh, não apanhou o dinheiro. Será que ela não entendeu o que sua genitora tinha falado? ou, quiçá, não era cognoscível pela mesma a função daquele troço azul com um número dois? Eu, apologeticamente, penso que das duas dúvidas uma seria o motivo. Agora, qual eu não sei dizer...

     A mãe às pressas, desce do ônibus mais uma vez, apanha o dinheiro do chão e entrega na pequena mão da filha. Ela sobe para  o ônibus e a filha fica. Fica com os olhos cheios de lágrimas, mas não derrama nenhuma. Fica quieta em seu cantinho esperando pelo pai. Será que ele foi buscá-la? Não sei. Só sei dizer que o motorista contrapôs tal atitude da mulher.

     - Minha senhora, - disse o motorista - você tem consciência de quais consequências esta atitude pode chegar? Você pode ir presa, sabia?

- Meu senhor, o pai dela vem aí! eu jamais iria abandonar "um fruto do meu ventre"! E você, por que não cuida da sua vida?

     Houve discussões...

O ônibus pára em frente do Colégio estadual Almirante Barroso. Eu, e os demais estudantes descemos e a discussão continuou prosseguindo...

Ao entrar na sala, atrasado, levo uma falta. Mesmo assim, desejo um bom dia a todos. Entretanto, como você pode perceber, caro(a) leitor(a), o dia não tinha começado bem... Quando os olhinhos pretos da menina se materializavam, ordenadamente em minha cabeça, eu não conseguia me concentrar. Por uma vontade impulsiva, peço licença à professora para ir ao banheiro.

     Eu posso ter mentido, mas, senti um alívio após ter feito isso. Não fui ao fundo do colégio, no qual estava localizado o banheiro. Pelo contrário, segui rumo ao portão da frente. Atravessei a avenida Almirante barroso, cujo nome é o mesmo do colégio e regressei em busca da menina abandonada.

     Os passos me deixavam ofegante!

     Até correr, corri! Quando chego às proximidades do local em que a mãe tinha deixado á filha, fui surpreendido. Um homem, de camisa azul, calça jeans, também negro, estava sentado num banco com a negrinha tomando sorvete. Constatei logo. Era ele, o pai da menina! E a mãe não estava mentindo!

     Uma sensação de alívio tomou conta do meu corpo que foi capaz de aliviar o cansaço físico da corrida e o mental, pela preocupação. Respirei profundamente e relaxei o corpo... Passo a admirá-los e eles não notam a minha presença.

     Após o término do sorvete, a menininha abraçou o pai. Poucos minutos depois, veio um ônibus na direção deles. O pai, pára o coletivo, sobe para o transporte com a filha. Depois, volta e pega as três bolsas e vai rumo ao destino...

     E assim, os olhinhos pretos daquela criança. Bem como o amor do pai e a compreensão das incomensuráveis obrigações da mãe, me fizeram entender que as atitudes não são tomadas para serem julgadas, e sim compreendidas! 

P.S.: A crônica que você acabou de ler, foi baseada em fatos reais. Houve, claro, algumas alterações para preencher as lacunas que iriam faltar.

P.S.1: Ao escrevê-la, eu me lembrei, em algumas partes de A última crônica, escrita por Fernando Sabino.