O GUARDA CHUVA ROSA

 

 

   Meu Deus, meu Pai! Meu pai, meu Deus, não pode ser tão mau assim. Esquiva-se de mim como o diabo da cruz (cheguei a escrever no meu diário que ele era um padrasto disfarçado de pai). Mas sei que ele me ama, os pais, eu sei, amam os filhos. Em breve serei mãe e irei amar os meus filhos. Mas continuo me perguntando: o que eu fiz a ele? A meu pai, claro! Meu Deus, meu Pai: não sou muito de orar, mas hoje mexendo nas minhas tranqueiras, achei o guarda chuva rosa, presente de aniversário de cinco anos, que meu pai me deu. A última vez que eu o vi. Então, não vi outra saída, a não ser vir aqui, rezar, chorar, rezar... Desabafar! Esvaziar minha mente.
   Da última vez que eu fui lá, onde ele trabalha, também não tive outra saída, nervosa que estava, tive que quebrar meu guarda chuva (que também era rosa), na cabeça do segurança. Guardinha mais enxerido. Tirou a luva, acho que só pra mostrar a aliança, coçou o bigode (meu Deus, meu Pai, pra que tamanho bigode? Pergunta minhas pernas, mas meu coração não pergunta nada. Não gosto de bigode. Meu futuro marido, não terá bigode. Não que ache feio, acho anti higiênico.), fingiu que ria. Ria pra mim ou ria de mim? Nem ele devia saber. Às favas com seu riso idiota. Eu só queria saber de meu pai, ver meu pai! Vim ver meu pai! Não posso? Não ia quebrar nada! Apenas quebrei meu garda chuva! Pois onde já se viu resposta assim:? "Não ganho pra dar informações!" Aí o sangue subiu, aí fiz escândalo,  “armei o barraco”, escandalizei ele, fiz “um fuá”. Pois é, não ia quebrar nada, não ia mexer com ninguém, não ia mexer em nada, não ia... Aliás, ia ver uma coisa, queria ter certeza de uma coisa: um conhecido meu, que trabalha lá dentro, que eu não vou dizer o nome pra não queimar a fonte, me disse que na mesa do meu pai, tem uma fotografia minha. Será? Essa notícia mexeu comigo: se ele tem sobre sua mesa minha foto, se trabalha olhando pra mim, ali, no retrato, é porque ainda existe um laço afetivo, é porque ele me ama, (como todo pai, ama os filhos), é porque ele não é tão mau assim como minha mãe sempre falou. Mas, se ele me ama, por que me esconde a face? Meu Deus, meu Pai, me dê uma luz! Pensei em mandar uma foto recente pra ele. Mas, se ele não quer me ver, talvez não queira também outra foto. Talvez por que ele queira lembrar de mim do jeito que eu era antes. Antes de ser contaminada pelo veneno da minha mãe. Mas eu vou mandar assim mesmo. Não agora.  Daqui a dois meses eu me caso e vou mandar, mandar, não, vou levar minha foto vestida de noiva. Antes, ainda esta semana, vou levar o convite do meu casamento.
Talvez, ele aceite me ver, talvez ele aceite me levar pro altar, talvez ele me aceite,  talvez ele deixe o guarda me deixar entrar, talvez...
Aliás, nessa história, quem levou a melhor, foi o guarda. Ganhou férias, uma promoção, um aumento e um elogio do meu pai: “ PARABÉNS, VOCÊ AGIU CORRETAMENTE!"


S. Paulo, Março/2007