RUIDOSAS

Eram várias. Eliane. Loreley. Cristina. Regina Lúcia. Vera. Teresa. E outras... Chamava a professora responsável pela fila de alunas que aguardavam a saída. E na conversarada, risinhos e brincadeiras ninguém ouvia nada. Mas, iam todas embora de mãos dadas com mamães, irmãs, ou avós, ou quem fosse mais responsável do que aquelas garotas alegres e brincalhonas.

No dia seguinte, à mesma hora, o mesmo uniforme engomadinho, chegavam radiantes, com os difíceis deveres-de-casa resolvidos e prontas para mais uma tarde de aulas. Na de francês, aprendiam os cumprimentos “bon-jour ma mère, comment-allez vous?”, as despedidas “Merci beaucoup, au revoir, à demain”! No intervalo, iam todas comer amora, lambuzando suas blusas brancas imaculadas. Às escondias, “bien sûr”! Assim mesmo eram descobertas. Nem as carinhas de anjos salvavam-nas das broncas merecidas na opinião das freiras e totalmente imerecidas na opinião daquelas espevitadas estudantes.

Algum tempo depois, no mesmo Colégio, mas em outro prédio, em outro endereço, os ruídos eram do jogo de “queimado”, que tirava gritos de animação, entusiasmo, ordens, atenção daquelas mesmas garotas, agora com mais outras. Silvia, Maria Lucia, Tereza Cristina, Célia, Diva. E ainda outras. Na sala de aula, os grupinhos se formavam. Sentavam perto e dividiam anotações para que pudessem fazer suas tarefas. Mas também dividiam opiniões sobre tudo, em plena aula. As opinativas estudantes nem reparavam que em aula não era para dividir nada. Apesar dos compartilhamentos indevidos, em momentos proibidos, as notas eram boas, quiçá excelentes.

Aulas de tudo. Matemática, português, história, geografia, ciências. Estas necessárias. Mas, as de inglês eram divertidas. A empenhada professora se esforçava para ensinar muito mais do que “Good morning, how are you?” Claro, todas sabiam muito bem “I love you” e “Kisses? Only one!” As de latim com decoreba das declinações, “ rosa, rosae, rosarum, e não lembro o resto. As de artes, com as ‘arteiras’ aprendendo bordados em ponto de cruz e outros trabalhos manuais. Quem sabe boas qualidades para moças casadoiras! As de etiqueta. Comer frutas (banana, laranja) com garfo e faca. Só no ‘Cré-Cré de Marie! Era refinado.

Mesmo Colégio. Outro prédio novo. Moderno. Espaçado. E ali foram aprender a ensinar. Curso normal. Para virar professora. Foram quase todas. Seria difícil separá-las totalmente. Algumas até escolheram o curso para continuar no Colégio, com as amigas. Praticavam a atividade de ensinar com base em Maria Montessori, educadora renomada. O mote principal era “a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro”. Era e é. Levaram esse conceito para suas vidas. Verdadeiro. Que ensina a respeitar o próximo. A conhecer seus limites. A viver em coletividade. Não somente esta concepção arraigou-se em seus comportamentos. A formação moral foi completa. Com ética, probidade, responsabilidade, solidariedade, amizade. Mulheres formadas, estruturadas, estudadas, aprofundadas, preparadas.

Fizeram teatro. Não pense que era curso de teatro. Eram apresentações, com ensaios, cenários (até montados pela carpintaria do atual Guairinha!). Todos os alunos, alunas, do Colégio assistiam. Sucesso total! Aplausos, aplausos. E a quase certeza de todos que seguiriam a carreira de atrizes. Quase certeza. Quase. Mas não foi possível. Entretanto, enquanto no Colégio tinham público cativo. E a conivência de professores e freiras nas saídas em algumas aulas para os ensaios. Não era brincadeira. Era arte teatral levada a sério por aquela troupe, como sempre, animada, empenhada, estudada, diferenciada e muito, muito entusiasmada. Até fora, em um dos auditórios do Centro Politécnico se apresentaram. Mas só para o público estudantil. Bem que os universitários das engenharias ficavam agitados com tanta garota empertigada e atraente.

Entre estas e outras balbúrdias estudantis foi-se concretizando a amizade, que apesar do tempo e distância, manteve-se intacta mesmo que não aparente. Amizade é como o cristal bruto que ao ser lapidado com encontros, contatos e conversas passa a ter um brilho intenso, que não se perde por mais guardado ou empoeirado que esteja. Existia um elo que não se parte facilmente. Uma história. De meninas à jovens adultas conviveram. Juntas dividiram sonhos, sucessos, desilusões, decepções, conquistas, relacionamentos, fins de semana, viagens, festas, passeios. Dividiram juventude!

Depois, bem depois, veio a universidade para algumas, casamento para todas. Os encontros, embora escassos, mantinham o elo que sempre ligou aquelas garotas alegres e ruidosas. Cada uma tomou seu rumo com responsabilidades familiares e profissionais. Todavia, continuavam animadas. Com a vida. Mesmo com os altos e baixos da vida. Ainda mais alegres com os encontros não mais de meninas, ou adolescentes ou de moças. Agora, de mulheres maduras, mas ainda felizes, cujas vidas se entrelaçam em alguns momentos, se afastam em outros, voltam a se unir.

Contam seus sucessos, suas vitórias, seus contentamentos, seus amores, seus desencontros, seus infortúnios, suas tristezas. Contam seu caminhar na estrada da vida. Entre goladas de café, de suco, mordidas em doces saborosos ou simplesmente entre conversas recheadas de risadas (como sempre), brincadeiras, assombros, malícias e muito, muito entendimento. Além de suas proezas, descrevem as algazarras dos filhos e os reboliços dos netos. Trocam fotos, gracinhas dos pequenos, suas bravatas. E continuam a exporem-se, revelando suas novas conquistas, novas aprendizagens, novos conhecimentos, novos relacionamentos, viagens formidáveis, novos talentos que afloraram com a maturidade. Debatem opiniões políticas, discordam do momento econômico, preocupam-se com os excessos e as deficiências da humanidade.

Não satisfeitas conversam pelo whats. Claro, como não? Mulheres maduras, atualizadas, viajadas, conectadas, energizadas, espiritualizadas, admiradas. Pela atitude. Pela inteligência, pela capacidade de acompanhar os desafios da contemporaneidade. Sobretudo por serem mulheres, fêmeas, naturalmente sensuais, no apogeu da maturidade, mas na compreensão de que a idade lhes trouxe outro tipo de beleza, de sabedoria, de serenidade. Que se reflete nos hábitos, nas rotinas, nos conselhos, nos casos que narram, nos fatos que relatam.

Vivem, na acepção da palavra. De acordo com seu momento.

Tereza Freire
Enviado por Tereza Freire em 17/11/2016
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