O ANTIMUNDO

Nessas rondas habituais que o tarefeiro fazia no Sistema da existência chamou-lhe a atenção aquele pontinho azul que estava sem muito brilho, bem diferente do habitual. Já havia escutado que os deuses fofocavam muito a respeito daquele planeta. Era papo corrente na alta corte celeste que a situação requereria alguma intervenção. Independente desses boatos, pois não deveria estar escutando atrás das portas, foi cumprir sua obrigação. Tinha autonomia para muitas coisas. Os grandões não queriam perder tempo com coisas pequenas. Ao aproximar-se da periferia da Terra, um cheiro forte lhe incomodou. Encontrou mentes falecidas em adiantado estado de decomposição. Ao tocá-las para fazer uma autópsia mais apurada teve uma triste constatação. Havia resquício de tudo de ruim naqueles cadáveres mentais. O tarefeiro então confirmou a boataria lá na coordenação do Sistema. Os deuses estavam certos.

As mentes haviam sido contaminadas ao longo da existência dos seres, por ódio, desavença, ingratidão, má querência, desprezo, intolerância, mesquinhez, preconceito, ganância, inveja, traição, e outros poluentes.

Os seres são muitos e a reciclagem não está dando certo mesmo com a alta rotatividade. Deu um trabalho danado para o tarefeiro incrementar doses controladas de evolução para que os seres não andassem mais arcados e saíssem das cavernas. Os aglomerou em comunidades e liberou boa parte de seus cérebros para resolverem os desafios que se apresentavam. Tudo ia muito bem, dentro do cronograma. Mas algo deu errado. Ao longo da existência, o humilde fazedor de tarefas do grande Sistema fixou-se em trabalhar direto no cérebro dos seres facilitando as sinapses, mas, viu com desânimo que as tais eram mais sinopses, metaforicamente falando: concluíam sem discernimento. Na verdade, a saída seria investir no cérebro daqueles que estão aportando no planeta. É um trabalho delicado, mas valerá a pena.

Preparará os pequenos seres recém-chegados para que nasçam despertos, espertos e mais observadores. Seus cérebros terão um adicional de discernimento mais sutil para que entendam com mais facilidade os dilemas existenciais e façam um juízo mais adequado.

Talvez os deuses não olhem com bons olhos, mas o ideal no primeiro momento seria abolir todas as religiões. Eles vão entender. Uns dos catalisadores para tantos problemas é o mau entendimento e a intolerância. E, de fato, paulatinamente os bebês humanos, quando nascem, parecem tão inteligentes, bem diferentes dos de séculos atrás. O fazedor de tarefas tem trabalhado, desde então, com afinco. Tem a certeza que logo as coisas entrarão nos eixos.

A questão é: o tempo que o tarefeiro faz as coisas não é o mesmo tempo que nós percebemos. Entretanto, a cada bebê que nasce neste pequeno planeta é sempre uma esperança renovada.

Nos bebês que estão chegando para substituir-nos, depositamos toda a nossa fé de que este insignificante pontinho azul no grande Sistema esteja em boas mãos.

O que foi possível, a gente fez.