Não consigo desacelerar

Acordei esta manhã com uma sensação de vazio no peito. Ainda não sei lidar. Um ano, sete meses, vinte e seis dias e dezessete horas desde que comecei a maior maratona da minha vida. Disparei em velocidade máxima, e tem sido impossível diminuir o ritmo. O corpo aguenta aos trancos e barrancos, a mente eu já nem sei se continua sã. Ambos correm, isso é fato.

Cadeira seis da fileira três. Quadro branco e pincel preto. Uniforme vermelho e céu azul. Ar gelado, cabeça quente. A linha de largada é caricata, mas nada nela me faz rir. Ao meu lado, outros corredores. Na minha frente, o nome da rota. Ninguém perguntou se há um pote de ouro no final do arco-íris. Pediram por um tênis, três garrafas d’água, um cronômetro e uma meta.

Dia um, treino um. Noventa metros, um único tiro e tempo apertado. Primeiro desastre, primeira lição. Os treinadores disseram que precisamos atingir as metas e nos manter no caminho mais curto. Ninguém perguntou se estávamos bem. Dia dois, treino dois. Noventa metros, um único tiro e teste de resistência ao final. Segundo desastre, a mesma lição. Juro que dessa vez eu corri, e como corri. Talvez fosse falta de prática, dá-me dá-me mais treino. Talvez fosse falta de disciplina, dá-me dá-me uma boa bronca. Dia sete, treino sete. Noventa metros, um único tiro e já consegui fazer o tempo sobrar. Dia oito, treino oito. Noventa metros, um único tiro e o teste de resistência não me fez suar.

Fiquei rápido, de verdade. Meus colegas não deixaram por menos. Naquele final de semana nós corremos, e como corremos. Dia n, prova um. Noventa metros, um único tiro e juro que dessa vez não quisemos olhar o cronômetro. Primeiro grande resultado, um simples tapinha nas costas – como quem diz que já fez tudo que podia. Dia n+1, prova dois. Noventa metros, um único tiro e que a nossa sanidade nos mantenha resistentes. Segundo grande resultado, e as três garrafas d’água não aniquilaram a nossa sede.

Alguns amigos subiram ao pódio. Eu subi ao pódio. E foi nesse ponto que nos disseram que o arco-íris fica num horizonte um pouquinho mais distante. Todos pediram por um novo tênis, três garrafas de energético, um cronômetro ainda mais preciso e metas variáveis – mais difíceis a cada derrota.

Cá estou eu, um ano, sete meses, vinte e seis dias e dezoito horas mais tarde. É sábado, e hoje não temos treino marcado. Disseram que faremos carga horária dobrada na segunda e insistem que dessa vez é pra valer. Sinto-me enganado. Ano passado nos fizeram acreditar que os resultados garantiriam alguma coisa, ontem nos contaram que estamos muito lentos para nossa segunda grande rota. Acordei com uma sensação de vazio no peito. Ainda não sei lidar. Hoje não sei se corro ou se tento desacelerar.