Aos olhos dele

A chuva de horas mais cedo parecia ter caído apressada só para que, naquele momento, as estrelas pudessem iluminar seus cabelos soltos. Foi inevitável sorrir ao vê-la escorada no poste da rua. Os all stars harmonizavam com a camisa regata, e o frio já fazia corar o rosto mais bonito da cidade.

Não era a primeira vez que saíamos juntos num desses dias gelados. Eu sabia que ela jamais pediria meu casaco, então resolvi oferecê-lo antes de qualquer conversa. Fiquei surpreso com a rapidez da aceitação, e feliz por vê-la quentinha numa roupa que tinha duas vezes o seu tamanho. As mangas eram tão compridas que suas mãos se perdiam em meio ao pano e todas as vezes em que ela mexia o braço, eu ria. Já viram bonecos infláveis de postos de gasolina? Pois é!

Até que o taxi aparecesse, nem sabia que iríamos longe. Mais surpreendente que minha total desinformação, foi aquela mãozinha embrulhada no casaco estendida pro meu lado. Ela provavelmente queria um legítimo gentleman, então fiz questão de sê-lo. Ajudei-a a entrar no carro, dei a volta e entrei pelo outro lado. Poucos segundos depois, notei que ela repousou a cabeça no meu ombro esquerdo. O motorista perguntou para onde iríamos, mas ela respondeu tão baixinho que não fui capaz de ouvir. Não importa, acompanhado daquele sorriso, eu iria a qualquer lugar.

O tempo passou rápido. Fomos de um ponto ao outro embalados pelas músicas românticas dos anos 80. Coisa do motorista, que aos seus 70 anos ainda aparentava ser muito ativo. Paguei-o e mantive a compostura de minutos atrás, descendo primeiro para abrir a porta para a dama ao meu lado. O olhar do senhorzinho foi de aprovação, acho que fiz tudo certo.

Ou, ela não me decepciona! Fomos deixados na praça central e, antes que eu pudesse me acostumar ao local, fui puxado rua acima. Não faço ideia de como, mas ela tinha notado a minha fome. Entramos no Subway mais próximo. Eu nos arrumaria uma mesa, ela faria o pedido. A mocinha comemorou o fato de ter acertado meu sanduíche favorito como se fosse a única a saber as preferências alheias. Que tipo de companheiro eu seria se não soubesse que, há anos, ela pede frango teriyaki, queijo prata, pão australiano e molho picante? Escolhi a poltrona do canto, a mesma que ela escolheu em todas as últimas vezes que passamos por lá.

Trocamos ideia sobre economia, ética, relacionamentos e outras mil coisas. Só sei que saímos de lá atrasados. Voltamos à praça e nos sentamos bem lá no fundo, abraçadinhos pra não morrer de frio. Acho que nunca me esquecerei desse encontro, ao menos não em dias como hoje, em que a chuva não cai e o céu permanece completamente apagado. Ninguém entenderá a calmaria que rege a nossa amizade, a simplicidade e a longevidade do nosso amor. Um amor quieto, que se encolheu dentro da saudade.