Envelhecer: benção ou castigo?

O envelhecimento do ser humano é uma benção ou um castigo? Os otimistas acham que o envelhecimento é um lento processo de acumulação de experiência e sabedoria. Quem vive muito aumenta seu repertório de vivências, estando, em tese, mais preparado para a mudança porque aprendeu a lidar com situações novas e inesperadas. Será? Qual o real valor dessa acumulação de experiências ao longo da vida?

Não se sabe ao certo qual seria o uso desse material, já que ao longevo vão ficando cada vez mais restritas as possibilidades de aplicar tais experiências. E experiência não é algo que se possa transmitir. É mercadoria sem qualquer valor no mercado. Os jovens, em tese os destinatários desse produto, estão se lixando para as experiências alheias, muito menos as dos idosos, vivenciadas num mundo completamente superado e anacrônico. O que desejam é colher avidamente seu próprio aprendizado em possibilidades cada vez mais desafiantes no mundo real e no fascinante mundo digital das mídias e das redes sociais.

A perspectiva de quem envelhece nem sempre é otimista. Os mais céticos consideram o envelhecimento nada mais do que um lento caminhar para a morte, sabendo que é a única alternativa para retardar o inevitável encontro com a “indesejada das gentes”, como a ela se refere o poeta de Pasárgada. A sensação predominante no envelhecer é a sensação de perda. Vai-se enfrentando perdas irrecuperáveis. Vigor físico, paixão, memória, saúde, parentes, amigos, paciência, importância, lucidez, visibilidade. O final dessa trajetória é a transparência total. O velho se transforma num ser praticamente invisível. Algo que, embora teime em manifestar-se no campo visual dos mais jovens, não passa de um componente da paisagem. Está lá, como um poste captado acidentalmente numa fotografia, que não faz qualquer diferença. Pode perfeitamente ser apagado pelo photoshop. Esse processo de “apagamento” assume formas variadas, e às vezes sutis no corre-corre da vida moderna.

Uma manifestação frequente é o descaso dado a seus assuntos, às suas estórias, às suas opiniões, ante à convicção de que o idoso é um ser aprisionado no passado e inabilitado para o mundo contemporâneo. Para seu infortúnio, se sente um estrangeiro num mundo cada vez mais digital, onde seus netos trafegam com total desinibição e familiaridade. Como pode contribuir com algo, se mal compreende o que acontece à sua volta? Os jovens mais educados o ouvem com indisfarçada impaciência (lá vem o vovô com as mesmas estórias!).

Há os que teimam em dourar a pílula. Brindam a idade provecta com nova denominação, “Melhor Idade”. Ironia? Melhor Idade não seria um eufemismo cínico para a velhice? Os componentes desse grupo social certamente trocariam sua “melhor idade” por uma idade apenas boa, desejando somente que as funções básicas do próprio organismo funcionassem sem sobressaltos: enxergar, ouvir, caminhar, lembrar. A memória é a primeira a escapar-lhe de mansinho, arrastando para o nada suas lembranças mais recentes. Memória e velhice: logo se divorciam. Idade do Esquecimento talvez fosse mais adequado. O idoso começa a esquecer-se de quase tudo e quase todos vão se esquecendo dele. Poderia também ser a idade da medicação, quando os remédios assumem o primeiro lugar na cesta básica. E, ai do velho! Não pode se dar ao luxo de esquecê-los. Se a melhor idade é isso, imaginar a pior idade dá até calafrios.

O que resta aos velhos, esses caminhantes vagarosos e desmemoriados no mundo hostil da velocidade e da eficiência? Tocar um tango argentino? Esmolar atenção e cuidado? Pedir desculpas por ocupar espaço? Fugir do convívio com os jovens? Admitir culpa por não ter morrido há mais tempo? Praticar o suicídio social, refugiando-se no passado? Não. Por certo, não. Esta é a receita para a rendição. O caminho mais rápido para a depressão e para o fim. Só há um jeito. Seguir a jornada sem pressa. Caminhar com dignidade e sem medo. Apesar dos esquecimentos, das limitações do corpo e de certo descaso do mundo, o velho tem que estufar o peito (com certo cuidado, é claro) e reconhecer-se um vitorioso, um sobrevivente, um vencedor do tempo, das doenças, das dificuldades, das chatices do mundo que fizeram sucumbir a muitos jovens apressados. E curtir o momento presente. Ele pode ser efêmero e não há garantias de que uma melhor idade possa vir.

Domingos Sávio ferreira
Enviado por Domingos Sávio ferreira em 07/11/2016
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