Condomínio de paz.

O calor era intenso. Passava de meio dia e não havia lugar para proteger-se do sol escaldante sobre a cabeça. A ausência de 6vento tornava mais triste aquele dia de finados. O grande cruzeiro fincado em seu pedestal encontrava-se rodeado de velas parecendo uma ilha cercada de fogo, como um vulcão em plena atividade, Impossível chegar perto. Os visitantes ascendiam suas velas cada vez mais longe, fazendo alargar mais e mais o círculo do calor.

Ali estavam as pessoas a chorarem seus mortos, a lembrarem daqueles que direta ou indiretamente fizeram partes da sua vida. Sempre nesta data é interessante notar que a cada ano há sempre novos nomes a serem lembrados, de pessoas amigas, anônimas, de autoridades e até de outras, que de uma forma qualquer foram notícia, devido às circunstâncias em que expiraram. Ao contrário da semelhança entre as pessoas ao virem ao mundo desprovidos de quaisquer adicionais, ao despedirem-se, já não são tão idênticos. Não no sentido espiritual, por serem iguais perante o criador, mas no modo em que lhe são atribuídos os serviços póstumos, o cuidado com os corpos, as vestimentas e o tipo de “embalagem” nas quais são despachadas. Algumas urnas são tão exóticas que dissimulam a função. O custo da morte de alguns, daria para garantir por um bom tempo a vida de outros. Como se gasta, mesmo sabendo que a terra comerá tudo, que desta, nada se leva.

Mas é assim a vida, ou melhor: a morte ninguém dela escapa, “quem não morre de novo, de velho não passa”.

Há alguns que percorrem as sepulturas procurando ler os antigos nomes impressos nas lápides, que por serem esquisitos chegam a soarem de forma excêntrica. Imaginem se os pais destes usuais e aconselhados para aquela época, ouvissem alguns das crianças de hoje, por certo morreriam de rir, se é que isso fosse possível.

Há os que rezam, há os que choram, também há os que fazem um dinheirinho extra limpando aqui ou pintando ali, vendendo velas, fósforos e até lanches, sem contar as tendas dos negociadores de jazigos.

Entre uma e outra conversa é comum se ouvirem relatos de pessoas que conheceram alguns dos ilustres residentes deste condomínio, detalhes de suas vidas, e como aconteceu a passagem desta para outra.

Como acontece também em velórios, há sempre a rodinha dos que imunes ao sentimento e ao clima reinante, entregam-se a contagem de causos e pilhérias, quase matando alguns de tanto sorrir.

Paulo Ivan
Enviado por Paulo Ivan em 02/11/2016
Reeditado em 19/02/2024
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