A FARSA.

Essa é uma história totalmente verídica e me foi narrada aqui neste pequeno metro de calçada da rua do Passeio Público pelo próprio personagem que a vivenciou, o singular Edílson Gonçalves.

Os fatos se deram em uma tarde de sábado, em um grandioso evento em comemoração a mais um ano de existência de um clube histórico do Rio de Janeiro, quando uma maravilhosa roda de seresta foi organizada para abrilhantar a festa da honrosa instituição. Foram convidados os maiores nomes da seresta brasileira e tudo seguia normalmente até que o nosso personagem, o tal Edílson Gonçalves, resolveu comparecer ao badalado evento e resolveu entrar sem ser convidado.

Edílson Gonçalves chegou à porta do renomado clube com a sua impressionante cara de pau. Deu uma olhadela na enorme fila de acesso a entrada principal e foi falar diretamente com o chefe da

segurança:

– Boa noite! Eu sou o cantor Edílson Gonçalves e vim me apresentar na noite da seresta do clube. Gostaria que o senhor me conduzisse até o camarim.

Imediatamente o chefe acompanhou Edílson até o local de concentração das grandes atrações. Uma jovenzinha muito simpática anotou seu nome e o fez sentar-se em uma cadeira bastante confortável junto a uma luxuosa mesa de bebidas e finas guloseimas, providenciando-lhe um crachá com o seu nome escrito sobre as letras garrafais:

"ARTISTA CONVIDADO."

Apesar de manter o ar de seriedade, Edílson Gonçalves ria por dentro, saboreando o prazer de ter dado um golpe mais que perfeito, conservando o ar frio e distante, característico das grandes celebridades.

O espetáculo teve inicio com um magnífico show dos seresteiros da cidade de Conservatória, capital mundial da seresta e arrancou aplausos entusiasmados de toda a platéia. Em seguida, apresentou-se o cantor Jamelão, interpretando como ninguém grandes sucessos da música brasileira. Edílson Gonçalves já muito bem alimentado e inebriado pelos espetáculos, já se preparava para deixar o recinto de fininho, quando surgiu novamente a tal mocinha simpática, acompanhada do chefe da segurança e sua gigantesca equipe de escolta:

– Senhor Edílson Gonçalves, falta um minuto para a sua apresentação. O pobre Edílson se apavorou. Tentou encontrar um jeito de fugir, mas não teve tempo, foi arrastado até o palco, enquanto a mocinha simpática, o chefe da segurança e toda a equipe de escolta tentavam em vão livrar-lhe do assédio entusiasmado da platéia, que buscava a qualquer custo uma foto, um autógrafo, um beijo, um pedaço de sua roupa ou um tasco da vasta cabeleira do falso astro. Edílson Gonçalves estava transtornado, profundamente arrependido de ter inventado toda aquela mentira que lhe lançara na maior roubada de sua vida.

Edilson Gonçalves se viu literalmente emparedado. À sua frente estava uma platéia entusiasmadíssima, ansiosa para ouvir a estupenda voz do artista deixado para o final da festa. À sua direita, sentado na cabeceira de uma imensa mesa, estava o cantor Jamelão

acompanhado de parte da tropa da Velha Guarda da Mangueira. À sua esquerda o timaço de craques dos sarais e serestas de Conservatória e à sua retaguarda, o seu principal problema: o chefe de segurança, uma pedreira de dois metros de altura

portando um par de algemas e um trinta e oito cano longo na cintura.

Edílson Gonçalves não teve outra saída, fechou os olhos e tentou imitar o inesquecível cantor Nat King Cole interpretando uma oportuna canção do genial compositor Antonio Maria:

– “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor...”

A platéia, petrificada, fez um sobrenatural silêncio. Edílson Gonçalves, ao final de sua performance, permaneceu ainda um longo tempo

de olhos fechados, se encolhendo todo, já esperando um bem dado tabefe no meio de sua careta de madeira. Mas foi o próprio Jamelão quem “puxou” os aplausos, acompanhado

logo em seguida pelo povo da Velha Guarda da Mangueira, que gritava:

"Bravo, bravo, bravíssimo!"

O pessoal de Conservatória ainda enxugava as lágrimas que lhes salpicavam os olhos. A enorme platéia do clube o aplaudia de pé, entusiasmadíssima com sua majestosa apresentação. O chefe da segurança, do alto de seus quase dois metros de altura, assobiava, batia palmas descontroladamente, dava pulinhos e gritava a plenos pulmões:

"Lindo, tesão, bonito e gostosão!"

Resultado: Edílson Gonçalves ficou à vontade e encerrou o seu fenomenal show cantando abraçado ao mestre Jamelão com a

Velha Guarda da Mangueira e com todos os seresteiros de Conservatória um pouporrit de funks proibidos em ritmo de seresta.

Hoje Edílson Gonçalves é o único seresteiro com contratado exclusivo com o renomado clube carioca. E se você quiser assisti-lo

terá que esperar o próximo aniversario da instituição, enfrentar em uma fila de dobrar quarteirão e torcer para que os fãs, o povo da Mangueira, os seresteiros de Conservatória, a mocinha simpática e o massaroca chefe de segurança não cheguem antes, arrematem todos os ingressos, deixando você na mão. Como diria Ivete Sangalo: "acelera ae!"

Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas
Enviado por Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas em 22/10/2016
Reeditado em 22/10/2016
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