24 HORAS

Leio nos jornais o caso de uma senhora que se aposentou recentemente, 24 horas depois de formalizar o pedido numa agência do INSS em Brasília. Ela (vou chamá-la de Maria para evitar interpretações facciosas no correr desta narrativa) exerceu importante cargo na República e, quero crer, fez jus ao benefício. Portanto, só posso desejar à Maria que seja feliz em seu merecido descanso, junto com os filhos e netos.

O diabo é que eu conheço o caso de outra Maria, também em Brasília, que não teve a mesma sorte. Não conseguiu essa marca olímpica, de fazer inveja a Usain Bolt. Muito pelo contrário. Apesar de ter uma decisão judicial a seu favor, garantindo-lhe uma pensão quase inexpressiva, ela mendiga o seu integral pagamento há longo tempo, como parte de uma história que já dura 15 anos.

História que começou com seu marido José, servidor do próprio INSS, que teve de acionar a Justiça para restabelecer a magra aposentadora que lhe fora ditatorialmente cassada em 2001. Mas foi uma luta desigual. Com seu exército de procuradores e uma infinidade de escaramuças processuais, a autarquia levou a peleja até o Supremo Tribunal. E perdeu. Mas a escalada da montanha, com os ombros já recurvados pela idade, exauriu as forças do octogenário combatente e ele faleceu antes de colher os frutos da vitória. Portanto, uma vitória de Pirro.

E é nesse ponto que Maria, a viúva - que também tem filhos e netos -, entra na história. Acreditando naquelas lorotas que a gente aprende nos livros de Direito (do tipo “idoso tem preferência”; “decisão judicial não se discute, cumpre-se”), ela pegou o bastão e requereu o pagamento do benefício. Inutilmente. Com falsas alegações, meias verdades e sob o abrigo de prazos intermináveis, o INSS vai empurrando o cumprimento da decisão para as calendas gregas. E, assim, pelo andar da carruagem, não preciso de nenhum Nostradamus para prever que a viúva possivelmente vai fazer companhia ao marido no outro mundo antes de receber – ela também - o que lhe é devido. E também possivelmente esse dinheirinho, que serviria para comprar seus remédios, vai ajudar a pagar a aposentadoria-relâmpago de quem furou a fila.

Isso é justo? Longe de mim querer comparar as duas Marias, mas o chato é que a Constituição Federal foi inventar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e a gente acaba acreditando nessa lenga-lenga que vem desde os bancos da faculdade. Típico caso de propaganda constitucional enganosa.

Daí a minha proposta de que, na próxima reforma do ensino, para diminuir o fosso entre a teoria e a prática, seja obrigatória, antes das leis, a leitura do livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Aí, desde cedo, o cidadão vai aprender que “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. Melhor assim, para prevenir falsas expectativas.

Com isso, institucionalizadas as desigualdades sociais, outras gerações de Josés e Marias – que vivem, lutam e ralam por este Brasil afora - poderão, diante das injustiças, pelos menos buscar conforto na poesia: “Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança” (Carlos Drummond de Andrade).

Descanse em paz, JOSÉ Nunes da Anunciação!

Tenha fé, MARIA das Graças de Oliveira Nunes!

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 06/10/2016
Reeditado em 06/10/2016
Código do texto: T5783294
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