MEU SOLO

O macacão era de brim grosso. O calor de Natal era de rachar. Acostumado com o frio do sul. Foi complicado. Peguei o paraquedas e o capacete. O voo era visual e eu nem sabia quem seria o instrutor naquele dia. Taxiei e decolei. A paisagem era linda lá de cima. Estava em voo cruzeiro até que o estrupício do instrutor puxou o manche até estolar e deu pedal. Foi o primeiro e o pior parafuso da minha vida. Deveria ter avisado! Nivelei o Zarapa (T 23), fiz as curvas que deveria, fiz a aproximação e pousei. Pensei comigo: Não nasci pra isso. O ano era 1973. Lá se vão 43 anos. Meio decepcionado comigo mesmo, voltei para o sul. Não havia feito vinte anos. Pensei comigo o que seria da minha vida, enquanto estava a bordo de um Hércules até Fortaleza. Esse negócio de sonho é meio complicado.

Depois de muita reflexão concluí que já havia feito outros solos e esses começaram lá na infância. Na aprovação do exame de admissão para o ginásio; na aprovação para escola militar durante a adolescência; na aprovação para os primeiros empregos, primeira universidade. E, o solo mais importante: o de ser pai. É o voo mais sensacional de todos! Não precisei de macacão de voo e nem capacete, muito menos de instrutor. A gente vai com a cara e a coragem em voo solo apreciando a paisagem da vida e nenhum retrato é igual ao anterior. Nessa odisseia, não raramente surgem dificuldades e entramos em parafuso, mas sempre tiramos de letra e ainda saímos fazendo tounneaus. Muitas vezes, vamos ao limite do trabalho, acabamos tendo estóis, mas não desanimamos: missão dada, missão cumprida. Formamos uma família e nós voamos em formação. Nossa pequena esquadrilha faz as suas acrobacias, assim como todas as famílias. As turbulências são compensadas pela habilidade de voar a vida. Fazemos um looping e ainda desenhamos um coração no céu da existência.

Quando ouço a música Summer Breeze, volto no tempo e imagino se poderia ser diferente.

Tenho certeza que não, pois, como teria formado uma família tão maravilhosa?

O sonho que Deus nos reserva e se realiza, é sempre melhor do que os nossos.