Salvamento

Era tarde de verão, morávamos à beira rio, e tínhamos recebido visita naquele dia: minha tia, irmã do meu pai, Maria Lúcia. Tia Maria é uma dessas mulheres fortes e à frente do tempo: mulher negra, independente, que está sempre de bem com a vida com seu sorriso largo e contagiante, capaz de espantar todo baixo astral de um recinto rapidamente.

Ao lado, na casa da Dona Eliana e seu Erdil, pais do meu amigo Mateus, mais conhecido como “Tetê”, com quem tive diversos momentos de diversão que marcaram minha infância, morava uma família de aluguel.Tinham se mudado há poucos meses, tempo suficiente para sabermos que eram protestantes, pois adoravam ligar o som em um volume extremamente alto, e acompanhavam cantando as canções que serviam como combustível para realizarem os afazeres diários. Essa família tinha algumas crianças, "espoletas" por sinal, que adoravam brincar à margem do rio Iconha.

Seguia o dia transcorrendo da melhor maneira, na mais pura tranquilidade, com as divertidas conversas da Tia Maria. Não entendia muito bem os assuntos, devido a minha pouca idade, mas estava feliz, pois todos estavam. Eram recordações que trouxera à conversa, para que todos pudessem conhecer minuciosidades de um tempo em que poucos dos que a escutavam, já haviam nascidos. Quando então: ouvi um som de algo pesado caindo ao rio e, logo após, um grito- Ester! Que era uma das crianças do atual vizinho.

Passado alguns segundos, volto meu olhar em direção ao rio que estava com a correnteza seguindo em direção ao mar, movimento pós maré cheia, e vejo uma protuberância de formato circular, dotada de fios bem ralos, semelhantes ao cabelo humano.- Olhem, a cabeça da Ester! Bradei impulsivamente. Minha mãe, volta-se na direção do rio, deixando aflorar seu lado maternal/protetor, e pula para salvá-la.

Aproximando-se do corpo estranho ,encaixa a mão sobre o topo da "cabeça" e a puxa para fora da água. Quando então, todos presentes , tiveram noção da grandiosidade daquele salvamento. Minha mãe, exímia nadadora, também nascida e criada às fímbrias das cristalinas águas do flume que corta o distrito de Cachoeira do Meio, acabara de salvar um coco seco daquelas turvas e perigosas águas do nosso querido rio Iconha. Ah! o algo pesado que Caíra na água, era só uma pedra arremessada pela Ester.

John Canere
Enviado por John Canere em 24/09/2016
Reeditado em 30/08/2019
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