Um boêmio no céu




          1. Prossigo lendo "Da modinha ao sertão". Nesse livro, como disse em outra crônica, Luiz Américo Lisboa Junior, historiador e musicólogo baiano, nos dá conta, com riqueza de detalhes, da vida e da obra de Catulo da Paixão Cearense.
          2. Catulo, como todos sabem, nasceu em São Luís do Maranhão no dia 31 de janeiro de  1866 e morreu no Rio de Janeiro no dia 10 de maio de 1946. Deixou uma formidável obra literária: versos e modinhas imortais.
          3.  Catulo tem Cearense como sobrenome. Herdou do pai, Amâncio José da Paixão Cearense, esse, sim, cabeça-chata da gema, nascido numa pequena cidade do Ceará, Icó.
          4. Por que Amâncio botou "Cearense" no seu nome: conhecido como "o cearense", achou que reforçaria sua identidade adotando o apelido que lhe dera sua terra.
          5. Ao mesmo tempo em que vou degustando o livro do Luís Américo, vou me deliciando com os poemas do Catulo, selecionados e reunidos por seu amigo Martins Guimarães.
          6. Na minha crônica de hoje, trago para os meus pacientes leitores um dos mais belos poemas do Catulo, "Um boêmio no céu".
          7. Creio, que, diante da beleza desses versos catulinos (permitam-me assim chamá-los), ninguém, ao final, me chamará de inoportuno ou massacrante, ao transcrevê-los na íntegra. Vamos lá.
                              UM BOÊMIO NO CÉU 
     São Pedro - Mas como é que viveste lá na terra,/ vivendo, assim, comDeus e o seu amor?
     Boêmio - Já vós, Senhor, de certo, adivinhastes:/ pois fui Poeta, fui músico e cantor.
     São Pedro (maravilhado) - Poeta? Tu foste Poeta?/ Falas sério?!!/ Qual é o teu nome?
     Boêmio - Eu vos direi no ouvido.
     São Pedro (sorrindo) - Eu, de há muito, já tinha pressentido!/ Tu és o grande Poeta regional!/ Já pertences à nossa Academia!/ Foste eleito por Deus! És imortal! / Em que país do mundo tu nasceste/ com teu estro bravío e senhoril?
     Boêmio - Num Paraíso esplêndido: - Brasil!
     São Pedro - Qual foi o teu Estado, o teu torrão?
     Boêmio - O Estado do Talento: - o Maranhão!/ E o Maranhão, Senhor, tem muitas coisas,/ que o céu não tem e nem talvez terá.
São Pedro - Aponte-me uma só e bastará!

     Boêmio - "Minha terra tem palmeiras,/ onde canta o sabiá".
     São Pedro (sorrindo) - Aqui no céu, há pássaros divinos/ que o Brasil não ouviu nem ouvira!
     Boêmio - "As aves que aqui gorjeiam,/ não gorjeiam como lá".
     São Pedro (pensando) - Vou fazê-lo ficar surpreendido! (alto) Cantor, Bardo, Poeta e Prometeu,/ se quiseres o céu, o céu é teu!!!/ Tua entrada no céu é prematura!/Talvez até Jeus me repreenda,/ e censure por ti minha ternura. / Terás o céu  por prêmio, por menagem,/ pois no céu só há glória, que perdura,/ só há prazer, só há serenidade,/ sem lágrimas, sem mágoas, sem tormentos,/ sem pesares, sem dor, sem amargura.
     Boêmio -  Reconheço, Senhor, vossa bondade!/ E agradeço o vosso acolhimento,/ nas, se no céu só há felicidade,/ eu volto para a Terra, com Saudade,/ pois não posso viver sem Sofrimento./ Sem fel, sem dor, sem lágrimas secretas,/ não existem boêmios nem poetas./ É no jardim da Dor que Deus assiste!/ A Dor, por ser de Deus, não terá fim!/ E Deus plantou as lágrimas, tão triste,/ que as lágrimas de Dor, que nós choramos,/ são as flores de Deus, do seu Jardim.
          8. A poesia de Catulo da Paixão Cearense não deve ser esquecida: nem por esta e nem pelas próximas gerações. Deve ser divulgada. Com o nosso dia a dia tão tingido de sangue, por que não um pouco de romantismo?
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/09/2016
Reeditado em 21/10/2019
Código do texto: T5769196
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