CAMINHANTE DA VIDA

Há muito gosto de caminhar. De andar por aí, com ou sem rumo definido. Andar por andar!

Em minhas andanças procuro sempre observar o derredor, as pessoas por quem passo ou com quem interajo, paisagens, flores, pássaros...

Prefiro as caminhadas longas, que se distribui ao longo de dias. Já percorri o famoso Caminho de Compostela por três vezes, onde cheguei a andar cinquenta quilômetros em um dia.

Está me achando mentiroso?

É mesmo difícil de crer. Compreendo a incredulidade, principalmente quando informo que carregava uma mochila com cerca de oito quilos.

Eu mesmo quando me dei conta da distância percorrida, me espantei.

Bom! Naquela época tinha cinquenta e cinco anos e pesava uns quinze quilos a menos.

O Caminho de Compostela é mágico, mas não o mais difícil, nem o mais bonito, quesitos nos quais o Caminho da Fé, aqui mesmo no Brasil, é imbatível.

Sua maior parte (do Caminho da Fé) percorre a Serra da Mantiqueira e a distância entre os pontos de pouso nunca tem menos de vinte quilômetros, com fortes subidas e descidas.

Mas a deslumbrante vista, as flores, o constante cantar dos pássaros e sua gente, compensam o sacrifício (para alguns) de trilha-lo.

Curiosamente nunca consegui completa-lo. Sempre ocorre alguma coisa que me tira do "caminho". Já tive assadura, bolha no pé, e solidão. Isso mesmo: solidão. Tentei uma caminhada solo e o isolamento me abateu tanto, que desisti de prosseguir.

Estava nas proximidades de Tocos do Moji, região da nascente do rio Mojiguaçu, numa subida íngreme e interminável. Era fim da tarde, passava por plantações de morangos e havia no ar um cheiro gostoso e adocicado, proveniente da recente colheita , mas não se via vivalma. Apenas, aqui e acolá, pequenas casas, no momento sem seus habitantes.

Eu só notava os cães latindo e vacas que me olhavam desconfiadas e mugiam, como a me vaiarem pelo meu visível cansaço. Ainda lembro daqueles olhos enormes acompanhando o meu passar.

No dia seguinte a saudade de casa me fez desistir.

Notei pelos caminhos que já trilhei a importância de um simples "bom dia", um aceno de mão ou um abraço. De uma prosa descontraída, mesmo que com um desconhecido, ou que apenas um dos interlocutores fale. Do descanso à sombra de uma árvore, num lugar qualquer. Da observação dos sons da natureza: água correndo, o mato farfalhando ao vento, pássaros cantando...

A visão de um vale, quando se está no topo, ou de uma queda d'água.

O simples voar de uma borboleta, com seus desenhos e cores.

E os cheiros? Ah... Esses são especiais. Nem vou falar do perfume das flores. Mas do sentir o cheiro do mato, ou da terra molhada, da madeira... Também é fabuloso beber uma água fresca, direto da fonte, ou comer uma fruta recém-colhida.

Mas não só no campo é possível usufruir o caminhar. Hoje mesmo, quando caminhava com amigos na praia, notei belas mulheres, jovens e mais avançadas no tempo, mas igualmente belas. Idosos sentados à sombra das amendoeiras, barcos que balouçavam entre ondas, peixes frescos expostos pra venda.

Vi o amor estampado no olhar cruzado de um casal de meia idade e o desejo sexual em jovens que se beijavam ardentemente.

Percebi a inventividade de um vendedor de côco, que entortou uma faca de cozinha, amoldando-a à forma côncova da parte interna do côco, para facilitar a retirada de sua polpa.

O cuidado e atenção de mães e avós para com seus rebentos, instruindo os maiores a atravessar a rua.

O perigoso balé do motoboy entre carros.

Escutei o estridente som de ambulância salvando uma vida e o da polícia protegendo outra.

O caminhar me aguça os sentidos e me possibilita observar a vida com outro olhar que as preocupações do dia a dia não permitem. É

Isso que me motiva a seguir como caminhante da vida.

Hegler Horta
Enviado por Hegler Horta em 09/09/2016
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