O TERNO DE LINHO BRANCO

Meu pai, militar, major do Exército Brasileiro, homem forte, bonito, galanteador, mulherengo, mas que amava a família e cuidava com carinho.

A esposa, minha mãe querida, Dona Antonia, conhecida pela sua generosidade, amizade, religiosidade e pelo apelido de Tonha.

Família de muitos filhos, como já disse em outras histórias, que seguiam uma ordem crescente de idade.

Minha mãe uma mulher apaixonada, que vivia para o marido e para o filhos, cozinheira de mão cheia, que fazia do prato mais simples um almoço dos deuses.

Meu pai adorava usar terno,na minha infância havia várias alfaiatarias em Taubaté, e ele sempre duas ou três vezes por ano fazia um terno, quase sempre de cor escura.

Um dia porém, o Tenente Cabral, era assim que alguns o chamavam e outros o chamavam de Major, e outros ainda de Capitão. O tenente Cabral fora a patente que ele tinha durante a Segunda Grande Guerra, quando comandando a Patrulha Cabral, ajudou a tomar o Monte Castelo, tem sido ferido posteriormente em Monte Plano. Mas, essa história fica para uma próxima vez.

Hoje, vamos falar da sua alegria em ter um terno novo.

Um dia ele acordou, como sempre fazia já quase na hora do almoço, estava aposentado, e ficava a noite inteira jogando baralho as vezes na Sede do Esporte Club Taubaté, ou as vezes na Associação, outras vezes vai se saber aonde ele se metia, acho melhor mudar esse termo, aonde ele se enfiava. Rrsrsrs.

Naquele dia aproximou-se da mesa, onde todos os filhos já estavam sentados, esperando o almoço.

Ele sempre dizia. --- comam, comam muito, mas não deixe resto de comida do prato, porque se deixarem eu os faço comer goela a dentro. Ele fazia mesmo.

Tínhamos comida de sobra, mas ele não aceitava desperdício, dizia que durante a Guerra, na trincheira, as vezes até a comida chegar, os soldados ficavam mastigando a gola ou o punho do uniforme somente para produzir saliva e preencher a lacuna que estava no estomago.

Voltando ao terno, que é o que interessa.

Ele se achegou por trás da minha mãe, falou algo em seu ouvido, coisa que ela não gostou. E nós ali sentados a mesa, escutamos a colher de madeira quebrar sobre a panela ainda no fogo.

--- Mário, prá que fazer um terno de linho branco, você já tem tantos outros, ainda mais de linho, você esta é se espichando para alguma mulher. - minha mãe fechou o semblante, e continuou o preparo da comida.

Meu pai, quando dizia que ia fazer uma coisa, com certeza faria.

Passado uns quinze dias, talvez um pouco mais, alguém bate a porta.

--- bom dia dona Antonia, vim trazer o terno de linho branco do Capitão. - disse o alfaiate com a magnífica espécie de vestimenta envolta em uma proteção de pano fino.

Minha mãe pegou o terno. Sabia que ele já estava pago. Fechou a porta com pouca educação, raivosa com o material recém chegado.

Porém, com todo, carinho de esposa dedicada dependurou a vestimenta em um cabide na sala de estar.

--- Cleusa, avise o Claiton para dar milho para as galinhas, ver se tem algum ovo, mas não é para molhar as plantas, ontem choveu muito.

Eu adorava cuidar da criação e do jardim que minha mãe tinha no quintal. Recebi o aviso, já que estava a posto para realizar os meus deveres diários.

Meu pai levantou, e fez o que sempre fazia. Exercício físico para manter o corpo atlético, que fazia muito sucesso com as mulheres, e deparou depois com o seu terno de linho branco, dependurado na sala de estar.

Seus olhos se arregalaram, talvez pensando no sucesso que faria em suas andanças pelas noites taubateanas.

Correu para o banheiro, tomar o seu banho, depois já no quarto, foi se aprontar para a sua saída matinal.

Nós os filhos, escutávamos minha mãe praguejando, em voz baixa, torcendo para que algo desse errado na vestimenta.

Meu pai porém saiu do quarto vestido de terno de linho branco, mais parecido com um galã de filme americano, fumando o seu cigarro Continental, cabelos assentados com Óleo Lavanda, e usando o seu perfume preferido.

Minha mãe se interpôs a sua frente.

--- Mário. Eu juro, que esta noite você dorme na sala, se sair de casa assim.

Meu pai, apenas se olhou nos espelho, passou o dedo pelo bigode fino.

--- Toninha, eu apenas vou visitar meus amigos, e jogar um carteado.

--- Sei. - Minha mãe sabia o marido que tinha, mas naquela época as mulheres tinham uma outra mentalidade, mas submissa, mais caseira, que hoje já não existe mais.

Hoje, as mulheres tomaram conta do mundo. Trabalham, tem o seu próprio rendimento, não dependem mais dos homens.

Ele saiu pela porta a fora, e nós os meninos saímos atrás para vê-lo subir a rua Dr. Pedro Costa, em seu estilo pomposo, sendo cumprimentado por todos, chamando a atenção de homens e principalmente das mulheres.

Minha mãe colocou todos para dentro, e lançou uma maldição Maligna, como dizia Chico Anisio em um dos seus personagens.

--- Logo estará de volta.

Fomos todos para a mesa, a comida já tinha ficado pronta, minha mãe trancou a porta a chave, e passou a tranca, coisa que ela nunca tinha feito. Todos nós estranhamos aquela atitude, mas ela sempre sabia o que fazia.

Se passaram vinte minutos e a porta começou a ser esmurrada, inicialmente com pouco intensidade, e depois com intensidade cada vez maior.

Minha mãe começou a rir, como se já soubesse o que tinha acontecido. Nós as crianças, corremos para trás da nossa protetora divina temerosos com o que estava acontecendo.

--- não se preocupem meninos, é o seu pai.

Foi então que ouvimos a voz forte do patriarca.

--- Toninha, abra a porta, por favor abra a porta.

Minha mãe rindo como se estivesse diante de algo que nós não conseguíamos imaginar, caminhou tranquilamente, como se pisasse em ovos.

--- Calma, já estou indo.

Nunca presenciamos uma porta se aberta com tanta delicadeza e sofreguidão.

Foi quando o nosso pai, surgiu no terno de linho branco, agora não tão branco, mas sim marrom de lama e água da chuva que caíra no dia anterior.

Naquela época a cidade não tinha rede de água pluvial, e ela se acumulava normalmente nos cruzamentos entre uma rua e outra.

Meu pai entrou pingando água e barro.

--- tire os sapatos, enxugue os pés, a Cleusa passou cera na casa inteira. ela riu descaradamente. Depois continuou. --- Vou pegar uma toalha, o seu terno de linho branco, está parecido com aquele marron que você comprou no ano passado.

Meu pai ficou vermelho como pimentão, bufava pelas narinas.

Nós escondidamente também ríamos, no quarto, observando todo o acontecimento pela fresta da porta, uma se ajeitando da melhor forma possível sobre o ombro do outro. Uma pirâmide de irmãos.

Saudades do meu PAI, E DA MINHA MÃE, SANTA MULHER.

Ton Bralca
Enviado por Ton Bralca em 28/08/2016
Reeditado em 05/11/2016
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