O senhor dos Relógios

de; Héryton Machado

No bar vi o tempo, senhor dos relógios, compondo destinos e ritmos distintos duma canção semelhante à minha vida, e eu, introspectivo, fiquei só a observar, com meu copo de uísque e o meu corpo, estático, no lugar. Sei que não tenho tanta importância, mas ele se compadeceu e ouviu meu pensamento amassado entre cinzas de um cigarro vagabundo. Eu dizia em pensamento: " Vou beber pra esquecer o que deveria lembrar mas me esqueci de esquecer de que quando acordar o esquecimento passaria e a dor voltaria a bater como o chicote do capeta no ombro a doer, sim, Lúcifer, aquele homem que caiu do céu e se apossou de uma navalha, o qual ninguém ousa mencionar, tal qual ceifeiro, enfurecido, revoltou-se ao ceifar almas, e dentro de tantas delas, a minha poderia estar na mira, e mesmo que eu fugisse ou gritasse, já mais esqueceria a mentira. A mentira que contaram e hoje reluto em revelar, quando minhas asas caíram, e não pude mais encontrar, mas se eu já esqueci, como haveria de lembrar dessas asas já perdidas e de Lúcifer a vagar?"

O senhor dos relógios passou a me observar mais nitidamente, até vir a mim e falar: "suas asas o esperam, onde judas perdeu as botas, agora mande embora esse pensamento e esqueça o que tem por vir, da sagrada escritura,não há nada a temer, encontre a paz e a luz e volte a ver o sol nascer " e pediu outro drink, dois na verdade, não me pareceu ser uma figura arrogante, pelo contrário, por ser o senhor do tempo, me pareceu bem modesto, foi gentil e me acompanhou no cigarro. Mas, alertou-me que o tempo seria ainda mais curto! Ofereceu-se para pagar a conta e dirigiu o meu carro, disse que embora eu estivesse gastando minhas horas, não iria me levar por uma dose de uísque ou de conhaque. Contou-me alguns causos na estrada, nostálgicos até, sabia de tudo da minha vida, o que pôs a soluçar, então ofereceu-me o ombro para que eu pudesse chorar, adormeci nesse tempo e acordei de manhã, tendo apenas esta lembrança, se é que tem importância, para poder compartilhar.

_ H. M. B _