CRÔNICAS DE UM METRÔ

Ouvi um barulho estranho, logo notei que era uma voz. Eu estava no metrô, de costume cheio, mas nesse dia estava tranquilo sem aquele ligeiro espremedor de laranja-humana. Nesse momento a voz ressoou e todos começaram a se olhar nos olhos - coisa que geralmente não acontece, nunca - procurando a boca que fazia tal som esquisito. Então percebi que era um homem, calvo e, o cabelo que restava, era ralo. Barrigudo de meia idade, olhava de um lado para o outro de pé, e: "ória ória ória ória ória ória ória..." aquele tipo de fala que nao se entende muito bem, incessantemente, e assim se seguiu durante algumas estações, umas cinco. A essa altura, todos ja haviam percebido que quem fazia esse som era o cara sem cabelo. Então o cara sem cabelo na cabeça, sem mais nem menos, começa a pregar a palavra: "Sua vida não é nada sem Jesus.... você não é ninguem sem a salvação de Jesus...".

Nesse momento ninguem ousou olhar o homem de cabelo na nuca fixamente por mais de dois segundos, pois a chance de ser tomado por indecoroso anticristo era grande, então baixei a cabeça, olhei para os lados, as pessoas me olhavam e entreolhavam em tom de "oi?". O carecalvo foi tomado pelo espírito santo, aí o bicho pegou, o discurso foi crescendo durante uns dois minutos, ele parecia uma cópia oral mal feita da bíblia, até que chegamos na estação Tamanduateí, a qual chamo carinhosamente de tamanduá. Até me ocorreu falar alguma coisa, mas nessas horas o mais sábio a se fazer é não tocar tambor pra maluco dançar. Todos saíram juntos, em tom de alívio como quem usa a privada de casa depois do aperto, inclusive o pança de santo Antão, ele tambem desceu conosco. Seu discurso pregatório me pregou na cabeça, tipo papo escatológico de fim do mundo, juízo final, apocalipse e outras mitologias judaico-cristãs. Nossa que medo do fim do mundo me tomou, até porque depois das olimpíadas e alguns ouros brasileiros, o fim parece próximo, como próximos estamos do sol. Todos correram do vagão, acho que todos com medo do fim, correram para seus trabalhos com intuito de deixar uma boa imagem pro mundo, uma boa imagem aos pais, esposos, esposas, filhos, etc. Se eu estivesse em outro vagão, me perguntaria "do que correm essas pessoas?". E talvez eu tambem correria de algum suposto assassino ou suposto terrorista. Por falar nisso, ate então não tivemos terrorismos nas olimpíadas, nem casos ruins com as delegações estrangeiras, como roubo, assalto, furto, sequestro, etc. Acho que é sinal de uma sociabilidade pacífica momentânea/passageira. Não temos tido brigas políticas acirradas e polarizadas. Só falta mesmo a seleção brasileira ser campeã olímpica, isso sim é um mau presságio de que o fim está próximo. Corremos como o diabo foge da cruz, sei lá, vai que o cara é Jesus mesmo. Por fim descobri as epopéias que ele "cantava", era: "glória, glória, glória...". Amém.