A festa do pobre

Pancrácio não é rico, muito menos pobre. Mora na periferia, paga aluguel, tem dois filhos, um casal. Vizinhos que dividem o churrasquinho no fim de semana, tudo no "racha". Adoece às vezes, filhos em colégio público de péssima qualidade, mas sempre de sorriso no rosto.

Seu filho mais velho, Junior, é um revoltado contumaz. Reclama de tudo, fala mal de tudo, é socialista mas conseguiu comprar seu iPhone e tenta ter roupas de marca, mesmo que tenham sido compradas de camelôs bolivianos que grassam por aí.

Afrodite, sua caçula, está prestes a completar quinze anos. Pancrácio quer fazer uma festa para a filhota. Junior é contra.

"Por que essa irresponsabilidade, pai? Estudamos em escolas de péssima qualidade, a casa é alugada, não temos plano de saúde, a mãe vive buscando promoção de aniversário de supermercado e você quer fazer uma festa inútil?"

Pancrácio se entristece por conta de mais uma revolta do filho.

Enfim, em reunião de família, venceu a festa por dois a um, porque o voto de Afrodite não conta.

Pancrácio tem este sonho: dar a festa que é muito importante para sua filha. Mas Junior não entende. Entretanto, como democraticamente foi decidido, a festa aconteceria.

Junior tentou sabotar o quanto pôde. Fez fofocas entre os amigos da escola. Pichou o muro da própria casa. Fazia troça da irmã que entristecia, mas às vezes retrucava irada. Quis fazer churrasco com seus amigos no quintal na véspera da festa, mas Pancrácio impediu, usando inclusive a força e expulsando os tais "amiguinhos" do filho.

Veio o dia da festa. Afrodite, feliz da vida. Junior, de cara amarrada no canto. Foram para o clube onde alugaram o espaço, festa muito bonita, apesar de terem sido usados recursos inventivos para baratear custos. Reciclado à vontade! Cerveja, refrigerante, salgadinhos em profusão!

Pancrácio chorava de felicidade vendo sua filha tão feliz, um momento de felicidade praquela vidinha tão difícil que o destino lhe reservara.

Junior, este foi à festa a contragosto. Falou mal de tudo. Reclamou do salgadinho que não estava crocante. Falou mal do vizinho que bebia e gritava alto. Falou mal das músicas que tocavam e eram do gosto da irmã. Apenas neste momento Pancrácio entristecia.

Suava tanto pra dar o que tinha e o que não tinha para a família, e via ali a dicotomia humana.

Afrodite radiante, feliz da vida. Afrodite sorria para todos.

Junior irritado com a alegria alheia. Junior ignorava a todos, e era rude com os demais.

Mas a festa aconteceu, quer Junior quisesse ou não, pois assim havia sido decidido meses antes. Pancrácio tentou melhorar o clima com com o filho, fez discurso que Junior tentou vaiar jocosamente.

Mas a festa acontecia. Os convidados não tinham nada a ver com os problemas de Junior. O evento aconteceu, quer ele quisesse ou não, porque foi uma decisão da família. Junior sofria porque não conseguia fazer dos outros a sua própria revolta. Ele fora minoria derrotada, mas ainda não sabe se curvar à vontade da maioria.

Pancrácio deu exemplo do que é ser pai na tentativa de diminuir a dor do dia a dia dos seus.

Afrodite está feliz e retemperada.

Junior hoje continua amargo e revoltado contumaz, mas desfila desculpas e justificativas para seu comportamento no dia de sua irmã, inclusive dizendo que não era contra a festa, que gostava de festas, mas era contra apenas o momento.

Como se fosse possível completar quinze anos de idade quando se quisesse.

E a vizinhança parabeniza, satisfeita, Pancrácio pela festa bonita e sem retoques a fazer.

Gilson Macedo
Enviado por Gilson Macedo em 06/08/2016
Reeditado em 09/08/2016
Código do texto: T5720386
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