REFÉM DA INCONSCIÊNCIA

Não existe nada que não possamos fazer, que se não fosse pela conveniência humana, pela legalidade, moralidade ou sociabilidade seriam ilimitados nossos pensamentos e ações. Dessa forma poderíamos fazer tudo o que quiséssemos e quando quiséssemos: falar o que vem a cabeça; correr sem rumo; andar de bicicleta pelas ruas na contramão, avenidas ou matagais; dar gargalhadas sem parar, no meio de uma reunião profissional; passear pelas praças na madrugada; jogar futebol o dia inteiro sem nos preocupar em voltar para casa; sairmos no meio de um serviço e pescar em um dia qualquer, tão somente para relaxar. Há uma infinidade de coisas que estão ao nosso alcance e que somente depende de nossa vontade, motivação, responsabilidade e também dos valores sociais que levamos conosco. Segundo o Livro Sagrado, em I Coríntios, 6,12, tudo me é permitido, mas nem tudo me convém.

Através do cotidiano aprendemos nossa primeira base de valores em família, junto aos que estão ao nosso lado. Através de nosso animal de estimação também desenvolvemos afeto, que nos traz também tranquilidade. Em algum dia desses de domingo podemos ainda realizar aquela visita a algum amigo que há muito não víamos e “matar a saudade”, colocar o “papo em dia”, algo bastante salutar e prazeroso. Verifica-se que turbilhões de sensações nos compõem e nos fazem remontar ideias, histórias e casos pessoais. Como é bom estarmos bem, em paz com a vida, com o corpo, com o espírito e estarmos em plena saúde! Por outro lado compreendermos que nossa idade, nossa jovialidade poderá nos sustentar até certo ponto, em que um alerta se acenderá para nos avisar que em algum instante não teremos mais a capacidade de manter toda essa energia. Então perceberemos que tínhamos tudo - um mundo repleto a nossa frente e, quiça não dedicamos o valor devido. É preciso que nos preparemos emocionalmente para esse momento, é preciso aprontar o nosso corpo e o espírito para cada fase da vida humana, pois ansiamos por viver, todavia sobre a certeza do fim da vida sempre estamos afastando essa possibilidade de reflexão. Pensemos antes sobre o que nos ensina o monge tibetano Dalai Lama, Tsultrim Gyatso - só existem dois dias no ano que nada pode ser feito: um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver.

Com o trespassar dos dias, com a idade se completando, nas comemorações anuais da passagem de nossos natalícios, a correria da vida, as metas e objetivos vão eventualmente se sobrepondo a todo sentimento, a toda vontade e a todo relacionamento humano. Além disso, tardiamente compreendemos que os laços que uniam as pessoas estão se desfazendo sem percebemos, em razão de nossa falta de atenção. Outrossim é que inegavelmente o tempo nos traz sabedoria e vamos aprendendo o que verdadeiramente é relevante. Então o que parecia representar muito, passou; que a idade avançou; que o que aparentava ser amor, acabou; que a festa terminou; que a casa está vazia e que os amigos também foram embora. Que há simplesmente silêncio e uma vaga lembrança do que foi ou do que poderia ter sido. Não há mais ninguém, nem ao menos para ouvir o choro, para ouvir as lamentações ou aparar as lágrimas e se consternar com tamanha solidão. Segundo escritor e filósofo japonês da era Meiji, Soseki Natsume, a solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo.

De certo, toda essa experiência é fruto da competição que todos impõem a si para poderem desenvolver as suas capacidades por pretextos diversos. A todo o momento temos algo a fazer. Julgamos que não podemos parar, pois o tempo sempre está contra nós, nos atropelando. Em contrapartida, vale lembrar que um dia fomos crianças livres, que somente tínhamos em mente a sensação de nos sentir bem, de poder brincar, de fazer o que se tinha vontade, de jogar bola; a menina com suas bonecas e colegas; cada menino com seu grupo, com sua brincadeira, seja de roda, seja de pega-pega, de esconde-esconde, travessuras sem fim. Uma época em que nos interessava somente ser feliz, somente divertir e brincar, sem parar, sem tempo, sem hora, uma era de infindáveis descobertas, de fantasias, de ser sempre um super-herói. E como diria a escritora Nátaly Neri Napoli: e que saiam os problemas, e as preocupações. Que eu volte a ser criança, sem medo e ambições.

Assim também o filósofo grego Aristóteles nos afirma que o valor fundamental da vida depende da percepção e do poder de contemplação, ao invés da mera sobrevivência. Em virtude disso muitos de nós somente paramos para refletir algo, em um momento de desalento ou mesmo de perda, ou ainda na enfermidade. Quando então percebemos que até uma simples virose ou uma gripe nos traz um incomodo corporal e, por conseguinte sentimos o quanto é bom estarmos bem; o quanto é saudável estarmos em harmonia consigo mesmo e com os outros. Unicamente, nessa hora concebemos o valor que é o viver; que é poder contar com o outro; que é ser capaz de depreender que não se pode existir só; que é preciso muito pouco para saber tirar o melhor da existência. Basta um sorriso, um abraço, um aperto de mão, ou um bom dia para que o nosso dia tenha mais brilho! Caro leitor, a propósito você já ofereceu um bom dia hoje a quem lhe ama ou foi refém de sua inconsciência, agindo com mau humor com os que de você se aproximaram? Tenhamos a certeza que o menor gesto de solicitude, pelo mais simples que seja pode salvar um dia, pode valer a vida de alguém.

Michael Stephan
Enviado por Michael Stephan em 17/07/2016
Código do texto: T5700812
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