Deixar para lá
“Deixar para lá” é algo possível somente aos seres humanos. Todos os seres vivos, exceto os homens, não podem “deixar para lá”, mas agem conforme determinações de suas naturezas. “Deixar para lá” é atributo de ser que pode escolher, avaliar e julgar. Um falcão não pode “deixar para lá” sua caça, ele apenas caça. O falcão não medita sobre a caça, nem faz um exame de consciência, apenas segue ordens naturais. Mas os homens, não. Os homens pensam.
[Não, você não me entendeu. Não digo que seja maldição ou benção. Apenas medito. Nem sei ao certo se essas coisas que criamos, como: “benção” e “maldição” sejam adequadas. Acho mais provável que tudo seja benção ou que tudo seja maldição, mas nunca uma ou outra.]
[Acha isso contraditório? Por quê?]
[Não, não disse isso. Disse que a existência é positiva ou negativa. Nunca as duas coisas alternadas]
[Longe de mim querer isso. Apenas tento ser o mais simples possível]
[Concordo.]
[Isso mesmo. Cada um deve criar seu mundo.]
[Sim, é disso que falo. Cada um tem ferramentas necessárias para criar um mundo que o favoreça]
[Falei de maldição por que gosto da ideia do sábio judeu que diz quanto mais conhecimento mais dor.]
[Entendo o que ele quis dizer, pois após grande reflexão sobre a existência chega-se a uma conclusão: tolos e sábios terão o mesmo fim.]
[Perfeito, gosto desse pensamento. A morte nos iguala, uns aos outros, inclusive aos animais, ao falcão. Por isso pergunto: é benção ou maldição?]
O “deixar para lá” é nossa benção ou nossa maldição. Dependendo da situação nos igualaremos ao falcão. “Deixar para lá” nem sempre é fruto da decisão, mas da imposição animalesca que, vez ou outra, domina o nosso cogito. É preciso revermos urgentemente nossa linguagem e nossa religião, pois ambas podem nos fazer animais.