MEU PÉ DE LARANJA VAI MORRER
Há muito que ele está ali, abandonado, só e triste. Saúde débil, barbas brancas, crescida e sujas. O peso dos anos o deixam assim, acabrunhado. Não obstante, ainda produz frutas saborosas; a cada ano, porém, em número cada vez menor. A sombra, outrora farta, exibe rasgões maiores após cada inverno, ou quando recebe mais uma pedrada de alguém que passa.
Assim, vai vivendo sua solidão, entalado entre o riozinho de águas cristalinas e a poeirenta estrada.
Seu espaço é pequeno, mas bonito, com seu tapete verde.
Se o viajante procurar ao redor, não encontrará vestígio de nenhuma casa que por ali tenha existido. Então se interrogará sobre a origem da velha laranjeira.
A idosa árvore, na verdade, resiste, teimosa, enquanto ninguém registrar a história que guarda; então, é certo que morrerá.
Sei que sofrerei quando por aquele trecho de estrada passar algum dia e não tornar a vê-la. Sou, contudo, forçado a desferir o tiro de misericórdia, antes que alguém mal-intencionado a derrube a golpes de machado, antes do tempo e faça com ela uma fogueira.
Foi lá que nasci, numa casinha humilde, da qual já nada existe.
À margem daquele rio, à beira daquela estrada, ao lado daquele pé de laranja, meu pai amou pela primeira vez minha mãe e eu fui gerado.
Quando fui dado à luz, a laranjeira, plantada por meu avô, para marcar o local onde seria construída nossa pequenina casa, saudou-me pela janela. Era, então, uma linda, frondosa e jovem árvore.
Quando completei cinco anos, minha mãe me disse:
- Esta laranjeira é tua. Cuida dela e um dia, quando fores já homem maduro e eu não estiver mais aqui, nem teu pai, nem esta casa, ela te fará lembrar de onde tudo começou.
O terreno meu avô vendeu; a casinha esfarelou-se na poeira do tempo, mas o pé de laranja lá está, por enquanto, todavia, porque agora vai morrer, já que a história está aqui, eternizada.
Fpolis, 22/12/1981, MCSobrinho