ARTE OU PORNOGRAFIA?

Para uns, uma imagem chocante, repulsiva mesmo. Para outros, uma verdadeira obra de arte, a rivalizar com Mona Lisa. Refiro-me à tela “A origem do mundo”, pintada por Gustave Courbet em 1866 e hoje exposta no Museu D’Orsay, em Paris, à vista de pessoas de todos os gêneros e idades. A obra não admite meio termo e inaugurou, no campo da pintura, uma discussão sobre a linha divisória entre a arte e a pornografia que já dura século e meio. Quem quiser participar do debate nem precisa ir lá. Basta um clique e estará dentro do museu. Aliás, hoje em dia, o mundo todo está na palma da mão.

Mas essa discussão, claro, estende-se para todas as formas de expressão, facilitadas pelo avanço da tecnologia. Daí, a necessidade de o internauta redobrar seus cuidados ao se aventurar “por mares nunca dantes navegados”, sobretudo os remanescentes do século passado, como eu. Não só pelas armadilhas da própria rede, como para evitar confronto com os guardiões da moral e dos bons costumes, muitos deles ocultos nas sombras do anonimato. Mesmo no caso de grupos fechados e conhecidos, essa cautela se impõe. Por isso é que, nos meus contatos, sempre preferi o tempero do amor e da amizade ao da política, futebol e outros igualmente incandescentes, aí incluído o sexo.

Mas não teve jeito. Outro dia compartilhei uma imagem que, a meu juízo, fugia a esse estereótipo. Duas pernas debaixo da mesa, cujos pés, juntos e ao fundo, pela sua curvatura poderia sugerir uma comportada genitália feminina. Enfim, uma ilusão de ótica, como o caso da cor do vestido e tantas outras que circulam pela internet. Nenhuma obra prima, claro. Longe de ser outra “origem do mundo”. Mas eu vi criatividade naquela composição, naquele arranjo. Vi e continuo vendo. Por isso – pecado mortal – compartilhei. Foi o quanto bastou para o tribunal da Inquisição me jogar na fogueira. Vozes indignadas se levantaram. Outras tantas, espontaneamente, me defenderam. Ao final, eu fiquei satisfeito com a discussão, sempre em alto nível, porque revelou que o tema é atemporal.

Mudam-se os séculos, o homem daqui a pouco vai a Marte, mas a pergunta continua: onde está aquela linha tênue, aquele raio de luz que separa a arte da pornografia? Resposta: não há limite. Depende da cabeça e da formação de cada um, da época e do local. Quando Cabral chegou nestas terras os índios andavam nus e faziam sexo ao ar livre. E eram felizes. Só depois da “colonização” é que a genitália, feminina ou masculina, recebeu cartão vermelho. Mas ela não é, sempre e sempre, “a origem do mundo”?

“Quem o molde achará para a expressão de tudo?” pergunta Olavo Bilac. Já Oscar Wilde sentenciou: “Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos”. Aforismo que se aplica às outras formas de expressão artística. Podemo-nos também alinhar com Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”

Na verdade, tudo é muito relativo. Você junta os dedos da mão e forma um coração (está na moda). Você os junta de outra forma e tem uma vagina. E daí? Por que esta é menos importante do que aquele? A vida passa por ambos, afinal. Então por que essa reserva? Por que, com o simples nome, muitas mães retiram as crianças da sala? Lá na fazenda elas – crianças - não veem, toda hora, o boi “cobrir” a vaca e acham isso natural?

Não quero formar opinião nem polemizar. Coloco apenas meu ponto de vista. E quero apenas contemplar, com a mesma isenção e despido de qualquer preconceito, tanto a obra de Leonardo da Vinci como a de Gustave Courbert. Tenho dito.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 24/06/2016
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