Cansei: o eu e o outro

Cansei. Estou cansado; extremamente cansado. Uma canseira que vem da alma. Uma alma que tanto lamenta por ter sido rasgada, despedaçada, esfiapada. Tem momentos em que preferia feridas no corpo. Trocaria todos esses machucados da mente, que por vezes chamamos de alma, por grandes machucados no corpo. Uma espécie de compensação. Todos esses pensamentos obsessivos recorrentes, intrusivos, desmedidos, gigantes em sua força. Todas essas imagens recorrentes, intrusivas, desmedidas, qual Golias diante de Davi. Diferente de Davi, eu não tenho conseguido lançar, certeiramente, uma pedra em Golias.

Sinto-me fraco e farto de tudo. Ao acordar, logo penso em voltar ao sono para escapar dos pensamentos que invadem a minha mente a atribular as horas, os minutos e os segundos do meu dia. Se choro, agora é por cansaço, não mais por aquilo que o causou. Meus olhos recorrem às lágrimas como um sinal da não paz que acomete meu ser. Começo a cansar o corpo, então. Cansei. Estou cansado, extremamente cansado. Uma canseira corporal. Esse corpo, tantas vezes ágil, dentro da minha possibilidade de ação, não quer preservar nenhum pouco das forças que lhe restam. Esse corpo exige que eu agite as pernas deitado na cama como símbolo da inquietação que se apodera de mim.

Filosofias baratas, dessas que recebemos sem solicitar, que encontramos sem querer, afirmam que meu sofrimento é leve perto de outros. Eu fico a pensar no peso das plumas e no peso do chumbo. Na mesma quantidade, os pesos são iguais. Mas não é na igualdade que busco apaziguamento. O que me convém nesse momento é agarrar-me ao que realmente importa na vida. E o que realmente importa na vida? Dia desses, uma amiga, durante um trajeto feito de ônibus, disse que fazer uma lista de coisas boas, de coisas importantes, de coisas para ficar feliz com a vida, seria uma solução. Cheguei em casa, peguei uma folha de papel, uma caneta e comecei o testamento para a alegria:

-O amor e a aceitação da minha família.

-Amigos que me amam e que me ajudam.

-O sonho do mestrado realizado.

-Um professor-orientador que diz que se considera meu segundo pai.

-Ter me formado para ser PROFESSOR.

-Poder comer, pois adoro comida.

-Cozinhar; inventar na cozinha.

-Poder ser gentil com as pessoas, tipo o cara do açougue, o tio da fruteira, a moça da padaria, estabelecendo laços de camaradagem.

-Receber sorrisos. Rir também.

-O amor pela Literatura.

-Ser uma pessoa que respeita os sentimentos dos outros.

-Sentir o friozinho gelado da aragem no rosto e esquentar as mãos no blusão que a mãe me deu.

-Ouvir um “eu te amo, nego” do meu pai, que quase não fala isso.

-Receber um telefonema da minha irmã e ela falar que lembrou que quando éramos crianças fazíamos corrida de tapete na sala.

-Poder ouvir a música “The perfect life” e recordar o quão vencedor eu sou por lutar desde 2008 contra minhas doenças psicológicas.

-Confiar no meu terapeuta.

-A minha mãe saber que eu adoro dentadurinhas de gelatina.

-Ser o Felipe com a dor e a delícia de ser e de aceitar-me.

-Ter uma amiga que para me ajudar solicitou que eu fizesse essa lista.

Essa lista é uma lista incompleta, pois existem muito mais coisas a se adorar como presentes do viver. Apesar dessa lista estar exposta no mural do meu quarto e eu olhá-la, lendo-a todos os dias, existe uma bruta pedra no meu caminho. Ou melhor, existem certas pedras no meu caminho. Pedras de tamanho pequeno que se agigantam em poucos segundos. O nome dessas pedras é pensamentos obsessivos. São pedrinhas miúdas, quase insignificantes, mas que rolam facilmente para dentro da mente. Elas unem-se umas às outras, formando uma grande massa. O problema está nessa fusão. Nesse embalo ritmado de pedradas, eu sofro, eu doo. Sou todo flagelo, porque reconheço a irracionalidade do pensamento-monolito que se criou. Uma vez construída a montanha, é muito dificultoso separar as pedras, varre-las para fora da mente. A luta inicia-se e o conflito instaura-se. A luta entre Davi e Golias gera ansiedade e tensão, porque os nós da montanha devem ser desfeitos a despeito de muita briga.

Não tenho conseguido ser campeão no ringue das doenças psicológicas. Tudo se engatilhou quando o amor flechou rudemente um coração depressivo. Tudo se engatilhou devido ao abandono da terapia e de um dos medicamentos. Tudo se agravou, porque não sonhei com dinheiro a desforra, senão com um amor limpo, transparente, ou então, com uma relação entre seres humanos. E uma relação entre seres humanos exige respeito, perguntas, respostas e acima de tudo, aceitação àquilo que chamamos O OUTRO.

Gostaria, mais do que tudo, de confiar na frase da canção que Doroty, de O mágico de Oz, canta: Além do arco-íris, onde problemas derretem como balas de limão.