O exit da wonderland

Dentro daquele solo de guitarra achei os mais profundos mistérios da minha imaginação. Todas coisas absurdas, repletas de imagens e emoções. Um mundo alternativo que eu mesmo havia criado para me conformar com a realidade. Um universo imaginário em que eu realmente existia, assim como existem os personagens nos filmes. Corridos de trilhas sonoras, aquele solo de guitarra era o auge da minha loucura, ou quem sabe da minha lucidez. Foi naquele momento, no mais agudo da guitarra. Ouvia-se como um grito: Socorro! Era o meu próprio, ecoando dentro do silêncio ensurdecedor em perspectiva do corredor escuro da minha vida. Repleto de nada, e de tudo. Cheio de portas e janelas trancadas e cerradas, como alguém que nasce cego,surdo e mudo.

"Quanto tempo eu perderia tentando me curar de um problema que me impede de viver? " - Era isso que meu pai passara a vida toda se perguntando e quem sabe ainda não tivesse descoberto a resposta. Era isso que ele passara a vida toda tentando resolver e justamente por isso, ele jogara toda sua vida fora. Mergulhado em um problema que ele mesmo havia criado e que nunca soube como lidar. E por isso havia se perdido em meio a maços de cigarro, garrafas de bebida e claro, o "cigarro do capeta". Ferramentas que ele usava para fugir de seu problema e não enfrenta-lo de frente. Foram anos submersos em um mundo alternativo, paralelo a realidade mas alienado à ela. Mesmo levando em conta que isto era sua principal arma contra o mundo. Contra a hipocrisia capitalista e a maldade e contra tudo que ele havia desconstruído no mundo material. Era sua arma espiritual, seu suporte idealizador da vida mundana, sua alavanca através do tempo para vencer o sistema. Eram esses momentos de loucura que traziam sua lucidez a tona davam pistas para sua empreitada em razão de seus ideais. Suas palavras eram fugazes como sonhos virando realidade, seus pensamentos eram ideias em repouso acordando pela manhã. A cidade era o cenário de sua grande história, o inverno era o início do filme, repleto de paradigmas e o verão era seu final feliz.

Enrolou seu primeiro baseado, ascendeu e tragou, sentando na pedra em frente ao lago da praça. Toda aquela realidade cinza havia se colorido, o sol lhe apertava os olhos, o vento balançava os galhos das arvores e despenteava seus cabelos cacheados. Os amigos ficavam risonhos e os inimigos também. Os minutos pareciam horas e as horas dias, infinitos universos se cruzavam dentro de seu pequeno campo de visão, tornavam-se asteroides voando pelo céu, fazendo estrelas caírem a seus pessoas e iluminarem o caminho. Talvez fosse isso que ele esperou a vida toda: algo que fosse capaz de lhe mostrar o caminho certo.

E foi assim que a Alice caiu no buraco e foi parar na wonderland. E quem sabe ficou anos lá até achar o 'exit'. Se alienou durante anos da realidade e se perdeu do verdadeiro mundo exterior. E foi assim, se perdendo aos poucos em busca de si mesmo.

Raul Nini
Enviado por Raul Nini em 20/06/2016
Código do texto: T5672634
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