Domingo de sol

Na manhã daquele domingo, em pleno verão, percebeu que o dia seguinte seria a famigerada segunda-feira. Caramba, o fim de semana, que tanto esperava desde a segunda passada, já estava acabando, apesar de faltarem ainda mais de doze horas até a hora de dormir.

Urgia buscar algo pra fazer, e rápido! E que fosse interessante e bacana! Café da manhã, deixa pra lá, come depois! Arruma-se logo, vai pra rua, rumo à praia, lazer barato, diversão garantida, tem que aproveitar o que resta do fim de semana!

Ganhando a calçada, olha pros dois lados, enche os pulmões, sorri e dá um silente “bom dia” ao mundo e saúda a vida! Pássaros cantando, céu azulzinho, um dia inteiro pela frente, e antecipa a alegria de gozar a vida que se descortina à frente!

Ir à praia, que beleza, dia irretocável... Caminha até o ponto de ônibus, já que estacionar na praia é impossível, esquecendo-se nesta racionalização de que não tem carro.

Chega ao ponto, parece que todo mundo teve a mesma ideia. Povo suarento e reclamão, fica apinhado na porta do ônibus sem ar-condicionado, ele só consegue entrar no terceiro carro, pois que sempre lhe tomam a vez e a frente. O ônibus que ele conseguiu estava tão cheio que não conseguia sequer levantar o braço pra pagar na roleta, e depois não conseguia nem segurar em algum apoio, a solução é confiar de que o negão de quase dois metros que está atrás dele não saia desta posição e assim ele não caia no chão numa freada típica de domingo de praia lotada. Blitz da PM, tira gente de dentro do “busão”, mais demora no trajeto!

Zona Sul da Cidade Maravilhosa, enfim!

Conseguiu saltar do ônibus cinco pontos antes de sua intenção inicial, cuspido que fora pela massa suarenta e reclamona em seu afã de descer logo. Respirou aliviado, porém. Olhou para seu relógio de pulso para ver quanto tinha de dia ainda e não viu nada em seu pulso.

“Meu relógio novinho! Um ladrão safado levou, e nem acabei de pagar!” Dane-se, resta ainda muita luz no dia pra curtir. “Vão-se os anéis, mas ficam os dedos”, pensou.

Atravessa a rua, cruza a calçada e prepara para o triunfante primeiro passo na areia, na qual, ao afundar gostosamente o pé, na verdade acaba pisando numa pontiaguda pedra que estava sob leve camada da areia da praia. “Que dor!”, rugia mentalmente.

Consegue finalmente um lugar ao sol, aluga aquela cadeira e guarda-sol numa das barracas não legalizadas, e vamos ao dia! Olha pro lado, uma gata espetacular e seu namorado, pro seu azar. De repente, aquele cheiro nojento de cigarro “batizado” com erva maldita que embota mentes que vem de um grupo de jovens que “se acham” naquele vício insuportável. Olha pro outro, verdadeira farofa de uma família cheia de crianças berrando e jogando areia em todo mundo... visão do inferno!

Deixa pra lá, é hora da cervejinha acompanhada daquele queijo de coalho com orégano! O preço lhe tira do sério, mas é só por hoje.

Aquela paz, repentinamente maculada pelo radinho de camelô da vizinhança tocando aquele funk totalmente desprovido de qualquer mínima demonstração de cultura, teima em desaparecer, porque os ânimos começam a esquentar...

Subitamente, irrompe uma correria, gritaria histérica da mulherada, todo mundo catando suas coisas pra correr, é um arrastão!

“Pomba, logo hoje?”

Nosso herói toma um safanão, uma banda, rala a cara no chão, toma um pisão nas costelas e uma mão forte lhe apalpa a bunda! Doído, com a cara inchada, sangue escorrendo dos joelhos, mãos em carne viva pelo tombo na areia quente, uma mancha roxa nas costelas e mais a dignidade ferida pela passada de mão na sua incólume bunda – que na verdade ele acha que foi séria bolinada, quase “don-juanesca”.

Instintivamente, (pensando com raiva naquele anônimo tarado que lhe maculara a hombridade, mas que lhe emprestava indisfarçável e repulsivo orgulho por ser atraente a este ponto, “quem mandou ficar arrepiado?”), passa a mão na ofendida retaguarda como que lhe dizendo “fique calma, nada de ruim acontecerá”.

Por um instante, neste mesmo instante, seu coração gelou e o coração quase parou.

O desgraçado do Don Juan levou sua carteira.

Gilson Macedo
Enviado por Gilson Macedo em 16/06/2016
Reeditado em 22/06/2016
Código do texto: T5669243
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