A festa

“Hoje é o grande dia! Tem aquela festa que estou esperando há semanas, e aquela gata estará lá, é hoje que consigo a atenção dela...”

Pelo menos é o que pensava nosso amigo. Quer dizer, ele pensou que isso é o que ele pensava logo após ter pensado sobre a festa. “Dane-se, hoje é o grande dia!”

E tudo isso acontecendo às sete da manhã, pois que seu sono era biologicamente cronometrado, às sete em ponto ele acordava todo dia. E nessa rotina, levanta, escova os dentes, faz a barba (hoje ele caprichou, afinal, tem a tal festa!), toma aquele vetusto café com pão dormido e margarina...

“O que vou vestir hoje?”

Caramba, parece mulher pra se arrumar! E, quando olha o relógio, ainda são dez da manhã! Ansiedade mata!

Cheio de sonhos, hora do almoço, naquele apartamento de fundos em Olaria, frente pra estação de trem, sol da tarde, 9º andar, abre a geladeira e tem... nada. Abre a despensa (se é que pode chamar aquele armário mequetrefe de despensa) e tem... macarrão instantâneo sabor carne... ou seja, gosto de nada.

Bem que podia ter um queijinho ralado. Podia.

E aquela morena que lhe tira do sério? Só de lembrar dela, vem aquela vontade de ir à festa (de arromba) de mais tarde.

“O que vou vestir hoje?”

Já são seis da tarde e a festa começa às dez da noite, então é melhor ir se arrumando pra não correr risco de se atrasar. Ele detesta se atrasar, e sequer pensar na morena sem ele estar lá presente cria nele um ciúme danado, e ela nem sabe o nome dele. Pelo menos ele acha que tem esse direito.

Toma o banho, pega o elevador, no meio do caminho falta luz e ele fica preso, naquele calor de Olaria! Pingava de suor quando a luz voltou, sobe de novo, toma novo banho, coloca outra roupa que não a que ele tinha comprado especialmente pra festa, pois que esta ficou ensopada de suor e lágrimas. Aí depois do banho vem uma dor de barriga de fazer crente chorar, e toma outro banho, troca de roupa porque acha que a segunda muda está esquisita, e já são nove e meia da noite!

A festa é em São Conrado. Em meia hora chega lá? Nem de helicóptero.

Desce de escadas pra não dar sopa pro azar, pega um táxi e o taxista diz que só faz a corrida “no tiro”, ou seja, nada de taxímetro. “Ah, dane-se, estou esperando esta festa há semanas, vai “no tiro”, mesmo!”

E o taxista o leva. Pelo caminho mais rápido, ele só chega lá às onze e meia, com menos 170 reais no bolso.

Nosso herói olha o prédio, emocionado e cheio de raiva. Mas a raiva passa quando lembra a imagem da morena. “É hoje, o meu grande dia!”

Ele se recompõe, se aproxima do porteiro e pergunta, com voz de galã, apesar do coração disfarçadamente saindo da boca: “eu vim pra festa do Carvalho, na cobertura.”

O porteiro o olha de cima a baixo, torce o beiço e diz: “não tem festa nenhuma hoje na cobertura do doutor Carvalho.”

“Como não? É claro que tem, dia 21 de abril, veja de novo!”, disse já querendo esganar o pobre do porteiro, que lhe mira de alto a baixo de novo, já com pena do rapaz:

“Seu moço, 21 é amanhã.”

A sensação do rapaz era de que seu umbigo caíra da barriga. Suaves frescor e silêncio polar lhes vêm ao rosto, seguidos de uma tropa de barulhentos demônios cavalgando fúrias de fogo e lava ardente que lhe ruborizam as bochechas e fazem seus olhos saltarem das órbitas junto com as jugulares que mais parecem tubos de esgoto! Queria bater no porteiro, aquele nojento, na velha que passava com um cachorro sarnento e fedido, no moleque almofadinha que mais parecia um ursinho de pelúcia, “aaaargh!!!”!

Volta pra casa de ônibus, mesmo. A festa era no dia seguinte, e a morena estaria lá. Chegou na portaria de seu prédio às duas da manhã. Aperta o botão do elevador. Falta luz. Nove andares o separam de seu apartamento, de fundos, frente pra estação de trem de Olaria, sol da tarde.

Tal qual um pano molhado, se arrasta escadaria acima. Tateia as paredes do corredor até seu apartamento de fundos, frente pra estação de trem de Olaria, sol da tarde.

Enfia a chave no buraco.

A luz volta.

Gilson Macedo
Enviado por Gilson Macedo em 21/04/2016
Reeditado em 16/08/2016
Código do texto: T5612175
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