A Grécia já é aqui

A gravidade da crise enfrentada pela economia brasileira pode aumentar as chances de viabilizar reformas estruturais no governo que vier a ser conduzido pelo vice-presidente Michel Temer, mesmo levando-se em conta seu caráter transitório e as condições excepcionais em que deverá assumir o Palácio do Planalto. Esse é o cenário que se pode extrair da conversa com representantes de entidades empresariais, que aguardam com expectativa as iniciativas da nova administração, especialmente na área fiscal. “A Grécia já é aqui”, afirmou hoje o diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes, ao se referir ao colapso orçamentário enfrentado por estados como o Rio de Janeiro.

O atraso no pagamento de funcionários aposentados e a suspensão da transferência de recursos do crédito consignado aos bancos, como ocorre no Rio, são exemplos da situação precária a que chegaram as contas públicas no Brasil. São evidências que confirmam também o diagnóstico de que o coração dos atuais problemas econômicos está na área fiscal. É claro que não se espera, como ressalvou o diretor da CNI, fazer uma inflexão na trajetória de crescimento da dívida bruta, “num passe de mágica”. Os empresários se contentariam, no primeiro momento, com a sinalização de que será possível superar essas dificuldades mais adiante com a construção de um conjunto de medidas na direção correta.

O que mais se reivindica é clareza sobre o horizonte econômico e a restauração da confiança perdida na condução do país, para que os empresários voltem a assumir riscos e deixem de lado os temores quanto às incertezas provocadas pelo aumento explosivo do endividamento público. Confiança e credibilidade também são as palavras fundamentais mencionadas pelo presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, para que seja possível inaugurar um novo momento na economia brasileira. A entidade tem atuado na articulação de propostas que limitem os gastos de custeio do governo e abram espaço para ampliação de investimentos públicos.

A preocupação de Martins é com o cronograma apertado que restará ao provável governo de Michel Temer, neste ano, para a realização de votações relevantes no Congresso Nacional. Além das Olimpíadas do Rio, que devem atrair as atenções e os esforços do governo no período de sua realização, a campanha eleitoral vai esvaziar a Câmara e o Senado no segundo semestre, como tradicionalmente acontece. Assim, somente depois das eleições municipais de outubro, seria possível retomar a pauta de votações no Congresso para tentar avançar em medidas de ajuste da economia, algumas das quais já em tramitação. O presidente da Cbic defende também uma transição rápida entre o atual governo e o próximo.

A perspectiva de que a administração de Michel Temer possa fracassar no esforço de realização de reformas estruturais, porque não contaria com o capital político decorrente de uma eleição presidencial direta, é relativizada pelo diretor de Políticas e Estratégia da CNI. Ele lembrou o exemplo do Plano Real, em 1994, quando o Palácio do Planalto era ocupado pelo presidente Itamar Franco, que assumiu o cargo depois do impeachment de Fernando Collor. É nesse ponto que o aprofundamento da crise econômica pode criar as condições políticas necessárias, segundo José Augusto Fernandes, para convencer a sociedade e os partidos da necessidade imperiosa de avançar nas reformas estruturais.

Fernandes não desconhece que são temas capazes de provocar reações contundentes, em especial a reforma da Previdência, mas insiste na necessidade de estender os limites possíveis no novo momento político que o país começa a viver. O caso da reforma tributária, fundamental para a iniciativa privada, também foi abordado por ele na conversa de hoje com o blog. O seu argumento é que se pode até conviver por anos a fio com a situação “absurda” que detecta na estrutura tributária brasileira, mas é preciso deixar claro que o potencial de crescimento do país é diretamente reduzido por essas condições objetivas que pesam no setor produtivo.

Propostas

No estudo que a CNI prepara-se para concluir com propostas para a retomada da economia brasileira, no período que se estende até 2018, o fortalecimento das exportações ocupa um lugar de destaque. Até mesmo pela convicção de que o ambiente econômico doméstico continuará recessivo por mais tempo. A manutenção de um câmbio competitivo é condição vital para que as vendas ao exterior continuem a apresentar um bom desempenho, assim como é necessário remover obstáculos que ainda prejudicam os exportadores. A segunda proposta relevante apontada pela confederação são os investimentos na área de infraestrutura.

Essa agenda é compartilhada também pela Cbic, que defende a ampliação das concessões e das Parcerias Público-Privadas (PPP) para deslanchar os investimentos privados na área. No caso da CNI, considera-se fundamental fazer um rastreamento das oportunidades abertas em projetos de infraestrutura e também de outras áreas, que não impactem o orçamento público e prescindam de negociações políticas muito intrincadas para sua concretização. O projeto do senador José Serra (PSDB-SP) na área de petróleo e gás, tornando mais flexível a participação da Petrobras na exploração do pré-sal, é um dos “frutos maduros” citados por José Augusto Fernandes.

Há ainda propostas de regulamentação na área de biodiversidade, que abrangem diferentes setores e também podem estimular novos investimentos no país. O diretor da CNI acredita que os marcos regulatórios para as concessões de infraestrutura e logística avançaram bastante nos últimos meses e dependem apenas de poucos ajustes, em particular na área de ferrovias, para que os projetos possam se tornar atraentes aos olhos dos investidores. A retomada da confiança que se espera com a presidência de Michel Temer complementaria esse ciclo virtuoso, que pode proporcionar tempo ao novo presidente para articular e colocar em prática medidas mais complexas.

Na política monetária, a expectativa é que os sinais já colhidos de arrefecimento da inflação possam permitir a redução da taxa básica de juros, hoje fixada em 14,25% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom). A recessão profunda que o país atravessa, e que deverá levar a renda per capita brasileira a uma queda próxima a 10% no período de 2015 a 2016, tem se encarregado de reduzir a demanda e conter os preços. Ao mesmo tempo, a CNI acredita que o processo de renegociação de dívidas, tanto de famílias como de empresas, poderá abrir novos espaços de consumo e investimento. A aposta é que poderá estar no final o ciclo da política monetária mais agressiva.

O diretor de Políticas e Estratégia foi cuidadoso ao comentar a possibilidade de que o governo Temer reforce a proposta de recriação da CPMF, que já se encontra no Congresso. Fernandes limitou-se a dizer que há uma forte resistência no empresariado ao aumento da carga tributária. Mas foi incisivo em relação às chances de que a economia brasileira consiga evitar uma nova retração do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Mesmo que a chegada de Temer ao comando central do país possa ter um efeito positivo na confiança dos empresários, “não há a menor chance”, segundo ele, de evitar um novo declínio, que deverá variar de 3,1% a mais de 4% neste ano. Afinal, como ele ponderou, “milagres não existem”.