Um amigo de fato
Aparecida Linhares
(Serahnil)

Sinto o perfume das rosas que atrás das costas ele esconde, sabe muito de mim, conhece os meus gostos e desgostos. Usa o perfume que prefiro ao vir me visitar. Lê na minha alma, conhece pelo meu olhar se estou bem ou não.
Dele eu nada escondo, não adianta tentar disfarçar.
Sempre chega quieto, beija minhas faces, me enlaça num abraço e entramos, só então ele quebra o silêncio.
- O Pitt bull?
O tranquilizo imediatamente, tem pavor de cães, por já ter sido atacado.
- Como está você? Senti saudades, liguei e deu caixa.
O meu sorriso é a resposta, ele sabe o quanto o amo e o quanto me faz feliz.
Sinto-me amparada no aconchego do abraço amigo carinhoso, humanamente estou realizada por tê-lo em minha vida. É um amigo que abre a boca com a palavra certa na hora certa, ou cala-se no silêncio necessário que tudo diz.
Não sei há quanto tempo somos amigos, tenho a impressão que é desde a infância ou de uma outra vida passada, se é que existe e eu nada sei, pois creio na ressurreição.
O que eu tenho absoluta certeza é que a presença de Walman é um bálsamo em minha vida.
Nada me pede em troca do seu zelo e carinho, simplesmente doa-se. Eu sou imensamente grata pelo tempo que ele a mim dedica.
Rimos muito e falamos de tudo um pouco, ele é professor, sempre tem uma pérola de algum aluno e nos “embolamos” de tanto rir.
Na hora do cafezinho...
Conheço também o seu gosto, sem cafeteira elétrica e nem pensar em garrafa térmica. Aipim e carne de sol é o lanche que ele sempre traz e aprontamos na hora.
Nunca está com pressa, tem todo o tempo que eu quero e preciso.
Às vezes vem com o violão, dedilha por algum tempo enquanto conversamos com um fundo musical suave, o que não é pra todo mundo, sei que eu sou uma privilegiada.
De repente no meio de uma frase ele já não está falando, canta baixinho, emudeço de imediato, por saber que a voz maravilhosa vai ecoar com vigor e cantar o que ele sabe ser o meu hino, de recomeço de vida. Emenda com música da Alcione e por aí vai dedilhando e cantando, um pout pourri de boas canções, daquelas do tempo que música tinha letra e melodia, na verdade são poesias imortais musicadas.
Durante algum tempo eu sou plateia de uma voz e um violão que leva embora toda e qualquer mazela que não esteja em harmonia em mim. Quieta o ouço como ouviria um bom cantor famoso, a grande diferença é que ele é o meu amigo e canta só pra mim e sem cobrar cachê.
Acostumada à voz linda e repertório excelente o aplaudo entusiástica.
Às vezes cantamos juntos num dueto, com a voz e o violão de Walman lembro-me de quando eu cantava de vez em quando na noite, dava palhinhas com amigos músicos que encontrava pelos barzinhos. Apesar dos "meus" pesares eram bons tempos. Quantos porres de refrigerante eu tomei ouvindo voz e violão de Afrânio, Zenon, Gel Costa que generosos diziam: Cida vem cantar! Zenon fez o som no lançamento do meu livro “O silêncio murmurante”, ele é um escritor regional e tanto; com os demais perdi o contato, saí da noite. Este é um remember que poucos conhecem, salvo algumas colegas de empresa com as quais saía uma vez por mês, e como em Las Vegas: o que lá se passava, lá ficava.
Por um breve momento mudei o foco, volto ao meu amigo de todas as horas...
Em 2009-2010 passei por uma tormenta que parecia inacabável, era demais pra mim que já havia vencido batalhas e guerras. Resolvi não mais lutar, deixar o Brasil e ir para Itália parecia-me ser a solução. Dizendo a mim mesma: “o que os olhos não veem o coração não sente”, doei algumas coisas a vizinhança, encaixotei outras para doação familiar. A casa estava típica de que ali a moradora estava de saída, pra não mais voltar. Enquanto eu enxugava as poucas lágrimas que ainda tinha e que teimavam em rolar Walman chegou, dessa vez veio sem avisar, coisa que nunca fazia, olhou ao redor, abraçou-me como sempre e se importou...
Ouviu calado meu rosário de infortúnio ser desfiado, quando botei o ponto final, olhando dentro dos meus olhos inchados ele disse: - "Minha amiga você vai pra onde quiser ir, desfazer-se de tudo, jogar celular fora, mudar de identidade, mas uma coisa você vai levar impreterivelmente e eu sei quem é você".
Olhei para ele um tanto aérea e esperei que dissesse o que eu levaria. E com a calma e doçura que é tão familiar, ele pôs a mão espalmada em meu peito esquerdo por alguns segundos, nada disse e a retirou. Puxou-me para o seu peito e deu-me um abraço demorado enquanto eu soluçava...
Pegou a minha mão e se conduziu até a porta de saída e foi embora.

Fiquei ali sentada, olhando aquele monte de caixas a serem doadas e pensando na mão posta no meu peito... Eu não chorava mais, comecei a deslacrar as caixas e aqui ainda estou. Venci mais uma batalha.
Aquele dia me vem à cabeça, sempre que penso em fuga de algo novo que me causa dor. Aprendi a enfrentar as intempéries, bem mais do que eu já sabia. Aprendi a controlar a emoção e agir com a razão, subjugando o coração "sem dar muita corda".

Na semana passada Walman esteve aqui e a tarde voou.
Ele disse: - Agora vou esperar que você vá lá em casa.
Levantou-se e abraçados seguimos num passeio pequeno, eu o conduzo até a saída para ter a certeza que ele voltará, (segundo a crendice popular).
Já tenho em mim a saudade da tarde linda que findou. Hoje, há menos de uma hora nos falamos por telefone, por quanto tempo eu não sei precisar, como sempre temos o tempo que precisamos. Só faltou o violão, o café, o aipim com manteiga e carne frita... Mas o principal foi darmos boas gargalhadas e lembrar o seu “bordão”, para tudo que não presta e é o máximo!
“CARNIÇA!”
Walman Miranda eu amo você e sei que sou amada, só me resta agradecer.
Hoje eu só precisava ouvir sua voz amiga e estava com saudades.
Estou publicando o que escrevi após desligar o telefone.
Aparecida Linhares (Serahnil)
Enviado por Aparecida Linhares (Serahnil) em 14/04/2016
Reeditado em 19/08/2016
Código do texto: T5604580
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.