FALTA DE JUIZO - EC
Ansiava pelo longo feriado, finalmente seus pais haviam consentido que fosse viajar com os amigos da escola. Seria incrível! A distância dos pais sempre tão atentos e vigilantes o fascinava, sentia o perfume inebriante da liberdade a perturbar o sono, demorava a dormir com tantos planos a elaborar. Durante as aulas seu pensar flutuava por tantas armações possíveis.
Naquele início de tarde os amigos se despediram apressadamente, pois em poucas horas iriam se reencontrar na rodoviária, e era preciso arrumar as malas e conferir documentos. Não ele, que há dias estava com tudo pronto, e já havia combinado com a mãe o horário certo para saírem de casa, ela inclusive conseguiu a tarde livre no trabalho, o que garantia que nada daria errado. Alguns outros amigos ficaram “de bobeira” pela rua da escola e decidiram dar um “role” pelo bairro. Ele já antecipava as emoções que seu feriadão prometia, divertiam-se enquanto caminhavam, entortavam retrovisores, tocavam campainhas, e até restos de giz de cera serviram para “demarcar território”.
Eis que um deles sugeriu a diversão mais radical, apertar as válvulas dos pneus e deixá-los murchos. E assim durante o percurso para casa iam, apostando em quem “radicalizava” mais. Ele por receio de ser pego, esvaziava apenas um pouco, o que lhe rendia gozações, estava “amarelando” é o que diziam. Antes de se despedir dos amigos, já em frente ao seu edifício, decidiu “radicalizar”. Pediu para os amigos sentarem-se como se estivessem batendo papo ele sentado na guia apoiado no veículo, esvaziou até que o veículo se inclinasse de tão murcho. Não contente, já sentindo se glorioso, fez o mesmo com o traseiro. Riram muito e partiram, ele ainda se dizia privilegiado, pois assistiria da janela “o mané (dono do carro) se matando” para trocar os pneus.
Assim que chegou em casa tomou banho e tirou um breve cochilo deixando o celular programado para despertá-lo em horário seguro, afinal nada poderia dar errado. A mãe o chamou, desceram com malas e mochilas, tudo dentro do previsto, tinham uma hora para chegar à rodoviária que ficava a meia hora da residência. No elevador a mãe explicou que a seguradora havia liberado um automóvel reserva enquanto o veículo da família seria consertado, ele pouca importância deu. Passaram pela portaria, a felicidade estampada no olhar, a ansiedade ritmando o bater do coração. até que a mãe diz : “Não acredito !”.
Os dois pneus do veículo reserva estavam “no chão” Ele começou a se irritar. Só faltava justo agora a mãe descobrir “sua brincadeira”.
- “E daí mãe! Vamos embora”.
Não, não havia como irem sem trocar os pneus, sentiu-se lívido, assustado, pálido e aflito. Nunca havia trocado um pneu, nem sabia por onde começar, tentou puxar, empurrar, achar uma super mangueira que o ligasse ao calibrador do posto de gasolina. Nada! Coração aflito.
Por sorte um vizinho que chegava naquele momento, se propôs a ajudar, trocou o dianteiro, mas só havia um estepe, como resolver o outro? O porteiro se propôs ajudar e pelo interfone buscava algum morador que pudesse ceder apenas por aquela tarde o estepe de seu veículo. Que dificuldade! Muitos iriam viajar também. O menino suava, apertava as mãos, caminhava de um lado para o outro até que uma senhora disponibilizou o de seu veículo. Ufa! Resolvido.
Ainda tinham um tempinho para chegar à rodoviária, mas o trânsito de final de tarde não colaborava com a agilidade que precisavam, e alguns minutos depois há apenas uma quadra da rodoviária, viram o ônibus cruzando a avenida com os amigos dentro sorridentes e cantantes. Fim do sonho! Em outro feriado talvez...
O silêncio no veículo era crucificante. Voltaram para casa, passando antes em uma borracharia que resolveu tudo prontamente. Retornando ao edifício, o porteiro chamou a proprietária para a devolução do pneu. Lamentaram a viagem perdida e a tristeza do menino, mas a gentil senhora o confortou.
- “Que chateação!! Isto só pode ser traquinagem destes meninos sem juízo!!”.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Falta de Juízo
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