Se ele despencar, se não chegar a matar, vai no mínimo doer pra porra

Acabo de pendurar um quadro bem grande, grande mesmo, e pesado, a mais ou menos um metro de altura sobre a cabeceira da minha cama. Seria essa mais uma tentativa inconsciente de suicido Jung? Digo isso porque o quadro é bem pesado, bem pesado mesmo, e eu o pendurei em um preguinho bem pequeno. Se ele despencar, se não chegar a matar, vai no mínimo doer pra porra, disso eu não tenho nenhuma dúvida. E digo mais Jung, eu li o caso da mulher que não evitou aquilo que resultou na morte dos próprios filhos, tudo para que pudesse finalmente ir ao encontro de um antigo amor. Achei bizarro esse negócio do que o inconsciente pode levar a gente fazer. É como se houvesse dois seres em guerra dentro de um único corpo. O “inconsciente” e o “consciente”, e que vença o mais forte.

Bem, o quadro ainda não caiu. Talvez ele esteja esperando que eu durma. Mas também agora é tarde. Mesmo que meu consciente esteja desconfiado do inconsciente, a suspeita não me serve de nada. Parece que o consciente também quer me ver morto. Por acaso eu não estou sentindo nenhuma vontade de tira-lo de lá, estou?

Foi o João que pintou o quadro. João é o menino que minha irmã toma conta. Se acontecer mesmo dessa “obra de arte” despencar na minha cabeça quando eu estiver dormindo... será que se eu não morrer, eu vou poder processar o garoto por tentativa de assassinato?

Engraçado mesmo foi quando eu disse pro João que depois que estivesse tudo pronto, eu iria vender o quadro por dez milhões de reais e que daria a ele apenas trinta reais. Ele não achou ruim não. Disse que ia pegar sua parte e guardar em seu cofre para futuramente comprar um patins. As crianças não são um máximo? Se ainda não bastasse eu disse pra ele que talvez teria de tirar quinze reais dos trinta para pagar a Juli, uma menininha que minha irmã também tomava conta até uma semana atrás. A Juli também havia dado umas pinceladas no quadro. “Sem problema” foi o que ele respondeu. Repito, criança não é o máximo? Morrer por conta de um quadro pintado por essas crianças não seria assim tão mal pra mim. O que me faz lembrar da vez que fantasiei uma outra morte absurda, Mas no caso, seria por afogamento numa gota d’agua ou por uma testada na quina da mesa. Naquele tempo eu realmente queria morrer. Havia terminado recentemente um namoro de quase dois anos e me sentia terrivelmente angustiado por isso.

Foi assim. Num certo dia eu estava sentado na cozinha e observava os pingos d’água que despencavam do telhado e pensava comigo mesmo o quanto seria bom, se fosse possível, morrer afogado numa gota d’água daquelas. A ideia me soava tão ridícula que resolvi escrever algo sobre. E dessa forma, quase que no automático, que eu escrevi “as goteiras”. E veja vocês, aqui estou novamente delirando com uma morte surreal dessas! A coisa fica mesmo no inconsciente da gente...

Tá bom, a fase de experiência acabou. Até agora o quadro não desabou. Vai ver tudo isso seja apenas uma paranoia sem sentido do meu consciente. Mas também chega dessa história de “quadro, inconsciente, consciente” já encheu o saco.

Eu estou num sono profundo, Gustavo, o gato, dorme sobre minhas pernas. De repente sinto um doer dilacerante. O quadro havia despencado e rachado minha testa ao meio. Saio na rua gritando desesperado pedindo ajuda. No silêncio da madrugada só se ouve meus berros de dor. Estou lavado de sangue...

Foi apenas um sonho.

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 22/03/2016
Código do texto: T5581956
Classificação de conteúdo: seguro