A Borboleta Negra

Há alguns anos atrás tive um magnífico jardim antigo. Caótico em cores e flores, semelhante aos antigos jardins ingleses -- Tudo misturado!

Por isso era belo! Brotos inesperados rompiam -se aqui e ali, livres ao sol -- um quadro natural!

Hoje, tenho uma varanda inerte e fria em linhas e cores neutras , tão estimulante quanto uma segunda-feira. Traria para ela com muita convicção o meu antigo tapete vitoriano, se não fosse o tamanho e o conteúdo!

Já providenciei o translado do meu alojamento para uma casa , mas enquanto isso não ocorre, fiz-me relembrar antigas imagens adormecidas, porém nunca esquecidas...

Em meio à algumas espécies botânicas, que avançavam em todas as direções, destacava-se uma grande moita alecrim, que mesmo solitária a um canto , lançava seus eflúvios por todas as veredas da casa.

Puxada aos fundos, uma tronchuda pérgola de madressilvas descia de escombro sobre um muro desolado e feio , que eu preferira não reformar, mas deixá -lo vivo e perfumado.

Haviam gerânios de cores variadas em bordadura às janelas. Uma pequena horta caseira , pequena mesmo, nem dava p'ra sustento; um herbáreo bem verde num palmo de terra e em meio ao jardim e a todos os espaços, muitas folhas para serem colhidas diariamente, tarefa que era compensada pelos muitos frutos férteis e olorosos do meu horto.

E eu era feliz com o meu vergel; visitandina ativa, cuidava-o pessoalmente, era o meu orgulho e o meu cartão de visitas.

No entanto, havia algo superior ao espaço. ...algo misterioso e mágico... a expressão de uma existência enigmática , que ainda hoje trago bem viva comigo....Havia "a rosa"...

Não a verdadeira rosa ! Bela, perfumada , mas rosa! Não! ...

Essa nem mesmo parecia rosa!....

Em um grande vaso, posto logo à frente do portão, despontava uma espécie de diferenciada existência : Evoluindo num mimetismo alucinado e alado por grandes pétalas furtacores, vivia uma grande borboleta, uma rosa negra, a grande estrela do meu jardim!

Sobre uma longa haste verde vessie, ereta e firme, eclodia o casulo negro, que ao se entreabrir experimentava uma gloriosa metamorfose de cores , desde o negro arroxeado, ao roxo enlutado, até chegar a tons vermelho-escuros dobrados, fase de seu maior esplendor! Ao se finar, assumia matizes róseos, cada vez mais pálidos e translúcidos como os do melhor voal , como os das asas de borboleta.

Parecia não morrer! Não se dobrava, secava no pé e em pé, da mesma forma das rosas que secam como marcadores em livros -- um bom exemplo a ser seguido!

Posta logo à entrada, de pronto imprimia impacto aos visitantes!

De porte muito elegante e magestoso, com muitas folhas perenes, balouçava aos ventos sempre firme e altaneira exibindo a mesma agudeza dos ponteiros do relógio, apontador síncopado dos espaços do tempo.

Ela me cativara desde que viera morar comigo, e desde sempre dera muitas rosas e muitos rebentos.

Vistas ao longe, assemelhavam-se à vaporozas bruxas, borboletas enormes de grandes asas iridescentes, reflexivas à luz e ao sol.

De suas longas hastes fincavam-se em círculos voejando ao sabor das aragens do meu jardim tropical.

E o tempo passou, marcado pelas grandes hastes rosáceas ,evoluindo com elas até o dia em que transferi-me da morada de retorno ao meu torrão.

Tão conturbado foi o desterro e tantas agruras se intrometeram, que a minha linda sibila se perdeu!

Tomara um descaminho entre os inúmeros caminhos da minha errância.

Fiquei acabrunhada e solitária sem a minha papoila e logo procurei um outro exemplar, mas de forma alguma encontrei outro par! Se perguntava: " Tem a Príncipe Negro?" , respondiam severo: " Não! Não tem!" A cor negra parece despertar o lado mais sombrio das pessoas !

E foi assim que a minha linda borboleta bateu asas e voou!...Voou p'ra outras bandas...Foi pousar em outro sítio, aonde permanece com certeza ainda hoje, para a alegria de quem a recebeu por dádiva.

Em represália, busco incessantemente a sua cara metade, e sei que vou achá-la !

A sua alma gêmea estará em algum bom viveiro, um bem melhor , de boas mudas e de boa gente , sem preconceito de flor!

Até lá, fico com a amiga rosa negra: alta, esbelta, estupenda em flor!

Elevada , ela transcende as tardes tristes e nubladas de inverno de minh'alma!

Em setembro, perfaz de continuo as floradas perfumosas do meu coração - primavera!

Eu sei que vou reencontrá - la, mas neste interlúdio, permaneço contida em sua imagem. Fico bem guardada com ela -- a minha antiga borboleta : Pungente e rubra, negra como noite estrelada !

Enternecida comigo , é a minha sangria quente, a brotação sempiterna do fundo do meu coração - memória!

Regina Caelli
Enviado por Regina Caelli em 19/03/2016
Reeditado em 14/08/2017
Código do texto: T5578435
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