Açúcar amargo

Já faz muito tempo, mas ainda trago na memória a dura vida nos canaviais naquelas vilas bem distantes das capitais. Onde a ganância e a avareza corriam livremente como um cavalo embestado e o trabalho escravo nas usinas de açúcar (amargo). Ninguém era registrado e se alguém reclamasse da exploração, havia sempre retaliação, e certamente não acharia trabalho naquela região. Eta que açúcar (amargo).

A vida começava bem cedo, por volta das quatro da manhã, as pobres mulheres levantavam antes de o galo cantar, ainda sonolentas acendiam o fogão a lenha, as lamparinas de querosene e iam cozinhar a mísera refeição do dia e sempre era a mesma coisa arroz, feijão, um taquinho de carne de sol, farinha de mandioca, um pouco de abobora e às vezes uma sardinha enlatada. Um pouco de café preto, um pão caseiro sem manteiga. Ou uma broa de fubá cozida nas panelas de ferro.

Seis horas em ponto, todos estavam no ponto e chegavam os caminhões de pau de arara, totalmente abertos, onde homens, mulheres, jovens e crianças se empoleiravam bem apertados, cena que fazia lembrar os gados indo para os matadouros, sem vez, sem voz e sem esperança.

E os caminhões velhos, pneus carecas e inseguros rumavam por aquelas estradas esburacadas, e em cada buraco que passava, o povo pulava e gritava, e se agarravam uns aos outros, para não serem arremessados para fora, pois todos conheciam muito bem a história de Amaro que caiu do caminhão, e ficou para sempre paralisado numa cama abandonado. Justiça não havia não e não chegou ao sertão até hoje e creio que não vai chegar não, não, não.

Nos canaviais as canas queimadas, retorcidas, esperavam para serem colhidas, pois a usina não poderia parar. E os homens e mulheres freneticamente trabalhavam com seus facões afiados, deixando ao chão milhares de toneladas de cana-de-açúcar (amargo). Por volta das dez horas, à fome assolava a todos, e apressadamente comiam a parca comida, tomavam a água muitas vezes quente, pois as moringas não suportavam o calor infernal. E voltavam para as trincheiras dos canaviais, lutando arduamente para sobreviver.

E quando dava vontade de cagar, uma moita você tinha que procurar, e ali defecar, e limpar o rabo, jamais, hábito que não se havia por lá. Mijar era mais fácil a gente mijava em qualquer canto, mas chorar a gente chorava sozinho, no nosso cantinho, pois a vida naquele rincão era de cortar o coração.Somente quem viveu é quem sabe.

Quando um trabalhador era mordido por uma jararaca e não resistia à picada e morria aos gritos indo a caminho do hospital. Mas uma mulher ficava viúva, mais filhos órfãos e ciclo da pobreza continuaria por anos a fio.

E os usineiros faustosos todo dia passavam por lá, desfilando com seus carros de luxo, os gatos, são aqueles feitores malfeitores, cheio de maldade no coração também tinha um vida melhor, pois roubavam na metragem de cada trabalhador. Eles tinham dois pesos e duas medidas. Esses feitores ladrões todo dia eram amaldiçoados, pois sempre defendia o patrão que era ladrão, e ainda debochada da gente humilde, fazendo piadas jocosas.

Final do dia homens brancos e pretos, mulheres e crianças analfabetas eram todos negros, pois a fuligem da cana queimada deixava todos parecendo zumbis, metaforicamente nos remete a ideia de escravidão e abandono. Ciclo da escuridão em pleno sertão do Brasil.

E a usina continuava noite e dia produzindo o ouro branco que era exportado para todo mundo, e os usineiros cada vez mais ricos, e os pobres trabalhadores cada vez mais pobres. E era impressionante que muitos cortadores de cana não tinham acesso a açúcar (amargo) e adoçava o café com a garapa da cana.

Eis que o açúcar (amargo) para cana virar açúcar branco, doce e desejado muita gente era explorada, e recebia por seu trabalho quase nada, e o pouco que recebia ficava na venda do ganancioso Valentim.

E passava ano e entrava ano, tudo era cíclico, o avô, o pai, o filho e o neto, continuavam na velha vidinha medíocre de sempre nos canaviais, e o açúcar (amargo) para muita gente tem a função de adoçar, naquele recanto do sertão o açúcar amargo, tem deixado grandes marcas de amarguras naquela gente que um dia sonha que a justiça chegará ao sertão.

Açúcar amargo, amaro. Quem sabe um dia tornará doce. E adoçará as amarguras da alma daqueles trabalhadores que por toda vida foi explorado nos canaviais do Brasil e continua...

Antonio Magnani
Enviado por Antonio Magnani em 14/03/2016
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